Política
Como a condenação de Bolsonaro pode embaralhar as eleições de 2026, segundo cientista político
A prisão do ex-presidente deve criar obstáculos para a mobilização da direita e, ao mesmo tempo, enfraquecer a principal retórica anti-Lula, defende Mateus de Albuquerque


A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado e outros crimes embaralha o tabuleiro das eleições de 2026. Na avaliação do cientista político Mateus de Albuquerque, duas peças importantes mudam de lugar: a capacidade de mobilização da extrema-direita e a retórica que a direita vinha utilizando contra Lula (PT).
Albuquerque sustenta uma leitura que contraria boa parte das análises em circulação entre jornalistas e cientistas políticos. Enquanto muitos acreditam que a prisão pode reforçar Bolsonaro como mártir, ele aposta no efeito inverso: a perda de fôlego do ex-presidente como líder de massas. Um desafio, compara, semelhante ao enfrentando pela esquerda e Lula (PT) na campanha de 2018.
“ O fato de Lula ser o presidente agora pode causar a sensação de que ele foi fortalecido, mas os fatos à época indicavam o contrário: o PT foi muito mal nas eleições subsequentes à prisão e a imagem pública de Lula ficou muito desgastada”, explica.
Em 2018, Lula estava preso em Curitiba, impedido de dar entrevistas, participar de programas de TV e até de aparecer em material de campanha. Mesmo tendo indicado Fernando Haddad como substituto, o petista não conseguiu transferir todo o seu capital eleitoral. A chapa chegou ao segundo turno, mas foi derrotada justamente por Bolsonaro, então no PSL.
“O lulismo e o bolsonarismo são movimentos de força social bastante personalizados, dependem muito da figura atuando fisicamente para se engajarem”, explica. “Ao prender Bolsonaro, você limita muito essas articulações e essa capacidade de mobilização.”
Não significa, contudo, que o bolsonarismo esteja acabado. “Ainda é uma força social poderosíssima, tanto é que [Romeu] Zema, [Ronaldo] Caiado e Tarcísio [de Freitas] correm para sinalizar a esse público que darão indulto a Bolsonaro se forem eleitos”, exemplifica Albuquerque. “É uma tentativa de manter o agrupamento, porque sabem que será muito difícil vencer em 2026 sem o apoio dessa parcela.”
A segunda consequência da condenação, segundo Albuquerque, é a corrosão de uma das principais armas retóricas da direita contra Lula: a pecha de “ex-presidiário”.“Em termos retóricos, a esquerda ganha uma resposta direta ao discurso de que o Lula é um ‘descondenado’”, destaca. “Agora, o grande líder do outro polo é quem vai estar preso.”
Esse movimento, completa, pode atingir principalmente os eleitores da centro-direita menos identificados com Bolsonaro — os mesmos que, em 2018, se afastaram do PT após a Lava Jato“Para parte da população menos identificada, a prisão tende a soar de maneira muito negativa. Novamente, basta ver o que aconteceu com o próprio Lula em 2018. O julgamento da Lava Jato afastou esses setores médios da população do petismo.”
Anistia pode mudar o jogo
Caso o projeto que prevê um amplo perdão aos golpistas saia do papel e beneficie Bolsonaro, contudo, a leitura do cenário muda.
“Uma eventual anulação do processo ou uma anistia abre um novo capítulo”, defende Albuquerque. “[O perdão] vai dar força à narrativa de que ele foi injustiçado”. Solto e ‘descondenado’, Bolsonaro poderia voltar a mobilizar o seus apoiadores – e, mesmo que não seja candidato, influenciar os rumos da eleição.
O cientista político avalia, porém, que há pouca margem para a anistia sair do papel no Congresso. “Eles vão tentar empurrar o tema goela abaixo, o que tende a ser mal recebido pela população, ainda mais tendo um projeto alternativo muito mais razoável em discussão no Senado”.
Em sua avaliação, o projeto só não foi enterrado de vez na Câmara dos Deputados por falta de força política de Hugo Motta (Republicanos-PB), atual presidente da Casa. “Ele tem pouca capacidade de articulação. Teve a sua mesa sequestrada e não puniu nenhum dos sequestradores”, lembra.
Essa fragilidade alimenta a ousadia da oposição. O deputado Zucco (PL), líder do grupo bolsonarista, chegou a ameaçar uma nova tomada de poder caso Motta não colocasse em votação, em regime de urgência, o projeto de anistia. O ultimato foi dado ainda durante o julgamento e tem prazo final no dia 17.
A sucessão no ‘conclave sombrio’
Por fim, a prisão acelera outra disputa decisiva: a escolha do herdeiro político de Bolsonaro. “A disputa já começou e, a depender do nome que sair deste ‘conclave sombrio’, pode atrair setores relevantes hoje alinhados à reeleição de Lula”, avalia. “Vai haver uma reconformação deste Centrão.”
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