Sociedade
Demissão em massa no Itaú abre debate sobre vigilância digital e home office
O banco alega fraude no ponto; sindicato denuncia vigilância secreta e ofensiva contra o trabalho remoto


Na segunda-feira 8, o Itaú Unibanco anunciou a demissão de cerca de mil funcionários, de diversos setores da instituição. A justificativa oficial seriam “incompatibilidades” entre o registro de ponto e a atividade registrada nas plataformas digitais durante o home office.
Segundo o banco, houve casos em que o tempo declarado pelos empregados era muito superior ao tempo efetivamente trabalhado. “Foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco”, afirmou a instituição em comunicado. “Alguns desses casos, os mais críticos, chegaram a patamares de 20% de atividade digital no dia – de forma sistemática, ao longo de quatro meses – e ainda assim registraram horas extras naqueles mesmos dias, sem que houvesse causa que justificasse.”
A controvérsia, no entanto, vai além dos números. O banco utilizou softwares de monitoramento remoto, capazes de registrar tempo de uso do computador, número de cliques e programas acessados. Segundo informações da Folha de S.Paulo, a produtividade dos funcionários seria calculada a partir de métricas como quantidade de cliques, abertura de abas e inclusão de tarefas no sistema.
Nesta quinta-feira 11, a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Neiva Ribeiro, disse que o processo não passou por negociação coletiva e que os critérios que embasaram os desligamentos nunca foram apresentadas. “Eles criaram um critério secreto, que ninguém pode contestar”, critica. “O funcionário descobre no dia da demissão que estava sendo monitorado havia seis meses. É um mecanismo de vigilância e de quebra de confiança, não o contrário.”
O monitoramento de computadores corporativos é permitido pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas apenas se os trabalhadores forem previamente avisados sobre quais informações serão coletadas, para que finalidade e como serão tratadas.
O sindicato informou ter ouvido 380 trabalhadores em plenária e anunciou que ingressará com ação moral contra o Itaú, argumentando que os demitidos estão sofrendo consequências reputacionais, com impactos sobre a recolocação no mercado.
Um ex-funcionário da área de desenvolvimento, demitido após três anos na empresa, conta que a decisão o pegou de surpresa:
“Na sexta, finalizamos um ciclo de trabalho. Já tínhamos reunião marcada para planejar os próximos 21 dias. De repente, recebo o aviso de desligamento”, afirmou ele, sob reserva, à reportagem de CartaCapital.
O programador afirma que nunca foi informado de que o monitoramento de tela seria usado como critério de avaliação. “O trabalho intelectual não se mede pelo tempo diante do teclado. Minha produtividade sempre foi medida pelo que entregamos no planejamento. Essa métrica não estava no contrato, nunca foi apresentada.”
Ele lembra ainda que não recebeu feedbacks negativos e questiona o momento da decisão: “No ano passado o banco lucrou 40 bilhões de reais, com o mesmo modelo remoto. Só no primeiro semestre de 2024 foram mais 22 bilhões. Como podem alegar queda de produtividade? Para mim, está claro: é uma ofensiva contra o home office, para forçar a volta ao presencial.”
Neiva também destaca o contraste entre a decisão da empresa e a vontade da categoria: “Os bancários aprovaram o modelo remoto. Ele funciona e é bem avaliado. Se os bancos insistirem em impor o retorno presencial, vão enfrentar resistência e mobilização.”
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