CartaCapital
A outra paixão
Por muito tempo, Mino cogitou trocar a Olivetti pelos pincéis


Durante um período, Mino Carta esteve dividido entre seguir a tradição da família no jornalismo ou perseguir o sonho de se tornar um artista plástico. No fim, o jornalista e o escritor venceram o pintor. As artes plásticas, contudo, foram bem mais que um hobby.
Autodidata, Mino Carta pincelou suas primeiras obras com aquarela e guache sob a orientação do pai, Giannino, também professor de História da Arte. Aos 14 anos, escolheu o óleo sobre tela. Na juventude, chegou a pintar profissionalmente na Itália, mas foi na escrita que encontrou o meio de ganhar o pão. Em 1954, durante as celebrações do IV Centenário de São Paulo, Sérgio Milliet, um dos mais renomados críticos brasileiros da época, convidou-o a ceder duas telas à exposição Paisagem do Brasil, ao lado de artistas como Portinari, Tarsila, Pancetti, Volpi e Rebolo. Um feito e tanto para o jovem de 21 anos.
Em maio de 1957, fez sua primeira mostra individual na Galeria Cairola, em Milão, apresentada por Luigi Carluccio, que anos depois assumiria a presidência da Bienal de Veneza. Entre os visitantes estava o pintor futurista Carlo Carrà, que o convidou para trabalhar com ele.
“Parece que a pintura morreu, foi enterrada às escondidas. É uma punhalada nas costas”, queixou-se
De volta ao Brasil e absorvido pela rotina nas redações, Mino abandonou a pintura entre 1960 e 1974. O reencontro com as tintas deveu-se a Pietro Maria Bardi, de quem se tornaria grande amigo, que o convenceu a fazer uma exposição no Museu de Arte de São Paulo, em 1975. “Bardi gostava de deitar-se cedo, comia e bebia com extremo comedimento. Falávamos também de arte, mas, sobretudo, da natureza humana e da vocação deste ou daquele artista”, escreveu em 2021, ao lembrar da sólida relação. “Recordo um dia em que me viu a sobraçar um livro de reproduções e obras de Lucian Freud e sentenciou com energia: ‘Esse aí é um pintor!’”
Os britânicos Lucian Freud e Francis Bacon, não por acaso, serviram de inspiração. A exposição no Masp consolidou uma parceria de 11 anos com o marchand e artista Antônio Maluf, responsável pela curadoria da mostra. Nesse período, Mino expôs no Rio de Janeiro, em 1976, em Porto Alegre (1977), na Galeria Seta da capital paulista (1979 e 1981), no Masp novamente (1983), na Galeria São Paulo (1984) e uma vez mais na Galeria Seta (1986).
No início dos anos 1990, iniciou outra feliz parceria com Valdemar Szaniecki, por meio da exposição Memórias Herdadas, na paulistana A Galeria. O marchand foi responsável por duas grandes mostras de Mino no exterior: a primeira em Londres, em 1993, e a segunda em Antuérpia, Bélgica, em 1995.
Em 1994, o Masp sediou uma retrospectiva dos 40 anos de pintura de Mino Carta, à época com 60 anos. A exposição reuniu 87 telas, sob a curadoria do crítico Jacob Klintowitz. Paralelamente, A Galeria apresentou as pinturas exibidas na Hyde Park Gallery, de Londres, no ano anterior.
Lucian Freud e Francis Bacon inspiraram suas obras. Após um interregno de 15 anos, expôs, pela última vez, em 2021, na Ricardo Camargo Galeria, em São Paulo – Imagem: Acervo Pessoal/Mino Carta
O segundo jejum na pintura durou 15 anos, até que Szaniecki o convenceu a fazer uma derradeira exposição na Ricardo Camargo Galeria, de São Paulo, em 2021. A mostra reuniu 25 óleos sobre tela. Sete deles integram a série Encontros, produzida em 1996, com imagens poderosas e sensuais.
Mino Carta não escondia certo arrependimento em ter desistido da carreira de pintor. Sobre o que teria feito diferente na vida, afirmou: “Em primeiro lugar, não teria sido jornalista. Teria ficado entre a pintura e a escrita. Infelizmente, a pintura eu a abandonei há tempos. Parece que a pintura morreu, foi enterrada às escondidas. É uma punhalada nas costas, mas é verdade. A escrita, não. Pretendo continuar escrevendo”.
Em nota de pesar, o Instituto Bardi relembrou que Pietro Maria Bardi manteve, a convite do jornalista, uma coluna semanal nas revistas IstoÉ e Senhor, nas quais comentava fatos culturais, além da arte brasileira e internacional. “Mino Carta deixa um legado pautado no compromisso com o jornalismo honesto e, na coragem de realizar esse sonho com seu exemplo, escreveu importante capítulo da história da imprensa brasileira.” •
Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A outra paixão’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.