

Opinião
Punir o golpismo é defender o Brasil e os direitos humanos
Diferentemente de 1964, o Brasil tem agora a chance de não deixar os atentados contra a democracia impunes


Os primeiros dias do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, no âmbito da trama golpista do 8 de Janeiro, não são apenas episódios processuais. Eles representam um marco histórico para o País. Pela primeira vez desde a redemocratização, um chefe de Estado responde judicialmente por articular um atentado contra a democracia brasileira. O que está em jogo não é apenas a responsabilização individual de um ex-presidente, mas a reafirmação do Estado de Direito diante de um projeto autoritário que ameaçou arrastar o Brasil para o abismo.
Assistimos, ao longo dos últimos anos, a uma escalada de violações democráticas. Discursos de ódio, manipulação de informações, uso político das instituições e tentativas de deslegitimar o sistema eleitoral não foram acidente, mas parte de uma estratégia organizada para corroer a confiança pública e preparar terreno para uma ruptura. O 8 de Janeiro não surgiu do nada: foi o ápice de uma longa campanha golpista, que encontrou eco em setores militares, empresariais e religiosos, além de ter sido alimentada por redes de desinformação com alcance massivo.
O julgamento que começa agora precisa ser compreendido nesse contexto. Julgar Bolsonaro significa, em última instância, julgar um método político que fez da mentira, do autoritarismo e da violência instrumentos de governo e de disputa de poder. Não se trata de revanche, mas de justiça. A sociedade brasileiro tem o direito de ver que a democracia não é um pacto vazio: ela tem garantias, e quem as viola deve responder por seus atos.
É oportuno lembrar que os direitos humanos, frequentemente caricaturados e atacados durante o governo Bolsonaro, estão no centro desse processo. O direito à livre manifestação não pode ser confundido com o direito de destruir sedes dos Três Poderes. A liberdade de expressão não pode ser utilizada como salvo-conduto para ataques ao Supremo Tribunal Federal, ameaças a parlamentares e incitação ao golpe. Direitos humanos são inseparáveis da democracia. Defender um é defender o outro.
O Brasil já conviveu, em sua história recente, com a impunidade de agentes públicos que conspiraram contra a ordem democrática. A ausência de responsabilização após o golpe de 1964 abriu feridas que ainda não cicatrizaram. Hoje, temos a chance de afirmar que a história não se repetirá. É essa a grande oportunidade do momento: transformar a dor da tentativa de ruptura em aprendizado coletivo, consolidando um legado de responsabilização que sirva de barreira contra novos aventureiros autoritários.
Há quem sustente que a punição de Bolsonaro e de seus cúmplices poderia aprofundar divisões no país. Mas a experiência internacional demonstra o contrário. Sociedades que relativizam ataques à democracia enfraquecem-se. Sociedades que enfrentam esses ataques com rigor se fortalecem. A justiça não divide: ela une em torno de um valor comum, o compromisso de que nenhum projeto político está acima da Constituição e das instituições republicanas.
Este julgamento é, portanto, um momento decisivo para a defesa do Brasil. Não apenas enquanto Estado nacional, mas enquanto projeto de futuro. A democracia brasileira, apesar de suas imperfeições, é condição necessária para podermos enfrentar nossos desafios históricos: combater a desigualdade, proteger o meio ambiente, garantir os direitos das mulheres, das populações negras, indígenas, LGBTQIA+ e das pessoas pobres. Sem democracia, esses avanços são impossíveis.
Do ponto de vista da Rede Liberdade, que atua na defesa de pessoas perseguidas politicamente e na garantia de direitos fundamentais, o processo contra Bolsonaro é um passo indispensável. Trata-se de afirmar perante o país e o mundo que o Brasil não tolerará aventuras golpistas. Que nossa democracia não é frágil, mas resistente. Que a Constituição de 1988 continua viva, sustentada pelo povo que foi às urnas e pelas instituições que agora têm o dever de cumprir seu papel.
Fazer justiça, neste caso, não é apenas punir um ex-presidente: é proteger o presente e o futuro do Brasil. É dizer, em alto e bom som, que nossa democracia vale a pena ser defendida. É garantir que direitos humanos e Estado de Direito não sejam apenas palavras, mas práticas efetivas. É construir um país em que nunca mais seja possível conspirar contra a soberania popular sem enfrentar as consequências
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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