Política
À espera da sentença sobre tentativa de golpe, Jair Bolsonaro completa um mês em prisão domiciliar
Nestes 30 dias, o ex-presidente recebeu aliados, saiu para exames e decidiu não ir ao Supremo no início do julgamento; relembre os principais acontecimentos deste período


Era fim de tarde na segunda-feira 4 de agosto de 2025 quando as redes de televisão, os sites de notícias, as rádios e as redes sociais começaram a compartilhar a informação: Jair Bolsonaro teve a prisão decretada. O ex-presidente, que não podia sair de casa à noite e durante todo o fim de semana, passaria, a partir dali, a ficar recluso na residência onde vive, em condomínio de luxo em Brasília. Exatamente um mês depois, neste 4 de setembro, ele vive agora a expectativa pela sentença no julgamento por tentativa de golpe, que pode condená-lo à prisão – agora, de maneira definitiva.
A determinação da prisão, assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), veio após descumprimento de medidas cautelares. O ex-capitão estava impedido de usar as redes sociais. Entretanto, em manifestação de apoiadores, realizada na véspera (3 de agosto, um domingo), ele falou em chamada de vídeo que foi compartilhada. Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro, filhos do ex-presidente, também compartilharam postagens que envolviam diretamente o pai. Moraes entendeu isso como descumprimento da medida (o segundo descumprimento, aliás). Para o ministro, Jair Bolsonaro teve uma “participação dissimulada” na manifestação e preparou “material pré-fabricado” para as redes.
A defesa do ex-presidente recorreu, alegando que não houve descumprimento das medidas cautelares impostas, e pediu que o caso fosse analisado pelos demais ministros da Primeira Turma do Supremo. Em vão. Houve reações dos mais diversos tipos entre os aliados e familiares. Carlos Bolsonaro chegou a ser hospitalizado. A segurança na Praça dos Três Poderes foi reforçada, por receio de possíveis atos dos seguidores mais apaixonados. Nas redes sociais, no entanto, a maioria das postagens foi favorável à prisão. Ministros do STF manifestaram apoio a Moraes.
A decisão repercutiu na imprensa internacional e levou Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PL de São Paulo, mas vivendo em um autoexílio nos Estados Unidos desde março, a reforçar a campanha feita junto ao governo de Donald Trump por sanções contra o Brasil. O Trumpismo reagiu, com novas críticas a Moraes. A Embaixada dos EUA em Brasília dobrou a aposta. Eduardo passou, ainda, a falar como pré-candidato à presidência da República. Outros pré-candidatos que buscam herdar os votos do bolsonarismo no provável embate com o Lula em 2026 também se manifestaram, demonstrando maior ou menor grau de indignação. As posturas geraram incômodo na família Bolsonaro. Carlos chamou governadores de direita de “ratos”.
A determinação inicial era dura. Bolsonaro não poderia receber visitas, exceto de seus advogados ou de pessoas previamente autorizadas pelo STF. Os visitantes não poderiam usar celulares, tirar fotos ou gravar vídeos. Dois dias depois, as normas foram flexibilizadas, e Moraes liberou a entrada de filhos, netos, netas e cunhadas do ex-presidente sem necessidade de autorização prévia. Ele também foi autorizado a receber familiares no Dia dos Pais (8 de agosto), além de médicos, que puderam passar a frequentar a residência sem precisar de aviso prévio. O ex-presidente também foi liberado para ir ao hospital para exames após crises de soluço e refluxo.
Nos dias subsequentes à prisão, começou uma corrida ao Supremo em busca de autorizações para visitar o ex-presidente. Um dos antigos aliados mais bem quistos pela Faria Lima, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi um deles, alegando razão “humanitária”. Outros nomes fortes do bolsonarismo, como o ex-ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI); o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto; os deputados federais Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Nikolas Ferreira (PL-MG) também buscaram o direito de visitar o chefe. Em alguns casos, como o do também deputado federal bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO), o pedido foi negado. Já o deputado federal Zucco (PL-RS) foi alvo de bronca pública da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro após prometer um churrasco em visita a Jair.
Já no dia seguinte à prisão começou aquela que provavelmente foi a resposta mais barulhenta à determinação da prisão de Bolsonaro: parlamentares de extrema-direita iniciaram um motim e bloquearam os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado. Alguns chegaram a se acorrentar a mesas. Vários passaram a noite nos plenários das duas Casas. Sessões tiveram de ser canceladas. Uma série de acordos de bastidores pôs fim à baderna e devolveu o controle das Casas às mesas diretoras.
Em 14 de agosto, após a apresentação das alegações finais dos advogados de defesa, Alexandre de Moraes solicitou ao presidente da Primeira Turma do Supremo, Cristiano Zanin, que marcasse a data de julgamento de Bolsonaro e de sete de seus aliados mais próximos pela tentativa de golpe. A resposta veio horas depois: as sessões começariam em 2 de setembro.
Dias depois, vieram à tona mensagens que mostravam que a convivência entre os Bolsonaro e aliados não é propriamente pacífica. “VTNC, seu ingrato”, chegou a escrever Eduardo ao pai, conforme revelou a Polícia Federal. O pastor Silas Malafaia, um dos mais estridentes bolsonaristas, chamou Eduardo de “babaca” e “idiota” enquanto conversava com o ex-presidente. Em outra conversa, Jair demonstrou cautela e pediu que o filho evitasse críticas ao ministro Gilmar Mendes, do STF. O vazamento das mensagens mostrou, também, um pedido de asilo a Javier Milei, presidente de extrema-direita da Argentina.
A carta ao argentino ampliou a já crescente preocupação com uma possível fuga do ex-presidente, e levou a Procuradoria-Geral da República a pedir que a polícia ficasse de prontidão em tempo integral na casa onde ele cumpre prisão domiciliar. Chegou a ser cogitado o envio de policiais para o interior da residência. Moraes adotou um meio termo: determinou monitoramento integral no endereço do ex-capitão, dos portões para fora. Uma brecha, porém, ainda estava aberta: segundo o governo do Distrito Federal, havia um ponto-cego nos fundos do terreno, bem como um temor que Bolsonaro fugisse dentro do porta-malas de um dos veículos de visitantes. Diante das novas preocupações, Moraes endureceu a vigilância: o interior do terreno passou a ser policiado. O ministro também baixou ordem para que todos os porta-malas dos veículos que deixavam a casa passassem a ser revistados. Michelle reclamou das medidas.
O início do julgamento histórico por tentativa de golpe, na terça-feira 2, marcou um novo momento, com o foco da imprensa e dos apoiadores no STF. O ex-presidente não pediu autorização para deixar a prisão domiciliar, e acompanhou de casa os dois primeiros dias de sessões. À Primeira Turma do Supremo, os advogados disseram que ele foi “dragado” por uma sucessão de fatos e não tem conexão com plano de golpe. Resta saber, agora, se a argumentação vai convencer os ministros. A resposta, que pode tornar a prisão definitiva, deve sair na sexta-feira 12.
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