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Como a China se prepara a revolução da IA+
A estratégia inclui produção triplicada de chips, robôs humanoides, aplicação em saúde e cooperação internacional


O Conselho de Estado da China formalizou, em 26 de agosto de 2025, uma estratégia de integração intensiva da inteligência artificial em todos os setores da sociedade e da economia. Os objetivos são audaciosos: reconfigurar os modos de produção e de vida, acelerar uma revolução produtiva e promover uma nova era social e econômica, marcada pela colaboração entre humanos e máquinas e pela democratização dos benefícios tecnológicos.
A implementação de diretivas do chamado IA+ materializa a transição do socialismo chinês a uma nova etapa do desenvolvimento tecnológico humano. Esta nova diretriz enuncia expressamente o papel da transformação produtiva na mudança de qualidade de vida. O que se sugere é que, como condição, a “Nova Era” para o socialismo com características chinesas implica em uma metamorfose do modo de produção a partir do desenvolvimento da formação social da China.
Esse direcionamento se insere em uma trajetória iniciada há anos, cujo ponto de partida incluiu documentos como o Plano de Desenvolvimento de Inteligência Artificial de Nova Geração (2017) e o ambicioso “Made in China 2025”, que elevaram a IA ao patamar de tecnologia estratégica essencial à soberania tecnológica chinesa, tais como a militar, energética.
Em abril, o presidente Xi Jinping já havia enfatizado que a evolução acelerada do IA+ deveria catalisar tecnologias de nova geração e criar um novo sistema de mobilização de recursos em escala nacional, com foco no desenvolvimento equilibrado, seguro e orientado à melhoria da qualidade de vida.
O cronograma é claro: até 2027, novas infraestruturas, tecnologias e serviços baseados em IA, como terminais inteligentes e agentes virtuais, devem estar presentes em 70% da economia real chinesa. Até 2030, a meta é ultrapassar 90%, consolidando a IA como motor central do crescimento econômico e da modernização do país. O esforço integra um plano iniciado em 2024 para expandir aplicações em setores estratégicos como manufatura, saúde, agricultura e serviços.
Em sintonia com os debates das “Duas Sessões”, a conferência bicameral do legislativo chinês, o Conselho de Estado orienta cada província a usar suas vantagens regionais, preservando coerência e evitando esforços duplicados, alinhando o desenvolvimento da IA à realidade local.
O foco desloca-se, assim, da pesquisa pura e da regulação doméstica para aplicações concretas. Na World AI Conference de 2025, Pequim apresentou um plano em 13 pontos para a governança global do IA+, destacando a colaboração internacional e o papel do Estado na criação de normas.
Na arena internacional, o premier Li Qiang propôs, em 5 de março, a criação de um organismo global para coordenar a regulação da IA e compartilhar avanços chineses, defendendo um arcabouço de governança com consenso amplo entre os países. A iniciativa reforça a postura da China de liderança no multilateralismo, traçada por Xi Jinping desde o XX Congresso do Partido Comunista, em 2022.
A estratégia também busca reduzir dependências externas. Até 2026, a China pretende triplicar a produção doméstica de chips de IA, impulsionando ainda o desenvolvimento de nanochips e ferramentas industriais de automação inteligente. Em paralelo, o país aposta em novos setores, como a fabricação de robôs humanoides para serviços comerciais e de cuidados, vistos tanto como promessa quanto como tema de debate ético e social.
Na saúde, softwares do Deepseek vêm sendo usados desde janeiro de 2025 em hospitais de ponta, apoiando diagnósticos, análise de imagens e gestão clínica. Embora tragam ganhos em eficiência, esses sistemas também levantam dilemas sobre ética, responsabilidade e substituição de trabalho humano, um dos pontos mais sensíveis da modernização tecnológica global.
A nova estratégia chinesa para a IA marca um ponto de inflexão no planejamento político e econômico chinês. Ele deve orientar a formulação do 16º Plano Quinquenal, em elaboração até o fim de 2025, e pode se tornar, para o “China 2035”, o que o Made in China 2025 representou em seu tempo: a pedra fundamental de uma nova etapa de desenvolvimento.
No centro dessa estratégia está o conceito de novas forças produtivas. A IA+ não é apenas mais uma tecnologia, mas um divisor de águas na interação entre seres humanos e suas próprias invenções, com repercussões científicas, econômicas e políticas de longo alcance. A aposta de Pequim é que essa transformação carregará em si o sentido do século XXI.
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