Fora da Faria

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IA também é argumento de marketing

O consumidor recorre a sinais externos para inferir a qualidade de um produto. É assim com marcas, celebridades, influenciadores e, cada vez mais, com a tecnologia

IA também é argumento de marketing
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(Foto: iStock)
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A tecnologia tem um papel importante para o desenvolvimento de produtos. Muito além da produção, tornou-se um marcador de qualidade e diferenciação. Isso não é novo, mas ganha novos contornos com a inteligência artificial, que se inscreve tanto como ativo de marketing quanto como ingrediente de negócio.

O valor da tecnologia não está necessariamente em sua função direta, mas na percepção que cria. Ter um celular de última geração é mais importante do que usar todas as funcionalidades de um modelo anterior. Isso vale para a enorme maioria dos produtos. Uma pesquisa de 2024, encomendada pelo Google à Offerwise, ilustra bem este fenômeno: 70% dos brasileiros disseram querer comprar carros elétricos como símbolo de sucesso. E mais: 98% dos 1.200 entrevistados consideravam que proprietários destes carros eram pessoas bem-sucedidas. A questão ambiental aparecia como prioridade para apenas 27%.

Observe as campanhas publicitárias de veículos elétricos: quantas falam sobre a questão ambiental? O foco é outro: dirigibilidade, inovação, sofisticação tecnológica. Eles estão nas mesmas estradas e usam os mesmos artifícios de merchandising que os modelos a combustão, mas o que os diferencia não é a função objetiva, e sim o sinal emocional que transmitem.

Uma das bases para entender esse comportamento é a Teoria dos Sinais, desenvolvida por Michael Spence, que recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2001. Quando o consumidor não consegue avaliar a qualidade de um produto, recorre a sinais externos para inferir credibilidade. É assim com marcas, celebridades, influenciadores — e, cada vez mais, com a tecnologia.

A inteligência artificial tornou-se um destes sinais. Seu uso em um produto sinaliza avanço tecnológico, modernidade e sofisticação, ainda que esses atributos não sejam tangíveis. Uma calça cujo corte, caimento ou tecido tenha sido desenvolvido com IA é diferente, por exemplo, de um eletrodoméstico onde o consumidor pode apenas colocar os mais disparatados ingredientes e cozinhar um prato. A diferença está na evidência concreta do benefício.

Há exemplos claros de produtos que acoplam IA para diferenciação. A startup americana Eight Sleep criou uma capa de colchão com inteligência artificial que monitora o sono, esquenta conforme as necessidades, vibra e tem efeitos sonoros. Os dados são enviados para a nuvem e criam um boletim de saúde do sono. Tudo por módicos 27 mil reais, mais uma assinatura mensal.

Mas isso vale para todos os mercados? A resposta é não. Saúde, serviços advocatícios, todos os serviços pessoais, tendem a rejeitar, ao menos por ora, a intervenção da tecnologia como mediadora. Um médico pode até usar inteligência artificial. Mas dizer que usa a tecnologia não o torna melhor médico. Pacientes querem atenção humana. Já educação pode ser um vetor contrário. Caso a inteligência artificial se infiltre nas salas de aula de forma desregrada, corre-se o risco de normalizar uma credibilidade cega, como já acontece em certas dinâmicas das redes sociais.

Por ora, a inteligência artificial vem se firmando como argumento de marketing. Com o passar do tempo, será avaliada de forma mais consistente pelo benefício tangível que entrega. Mas isso pode demorar.

Essa disputa, no entanto, não é nova. Desde sempre, marcas buscam ser as primeiras na mente do consumidor, ocupar um território simbólico único e duradouro. Nesse jogo, a inteligência artificial pode até ser um diferencial, mas precisa estar a serviço de uma velha conhecida do marketing: a comunicação capaz de transformar tecnologia em argumento exclusivo, reconhecível e, sobretudo, memorável.

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