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Anistia/ Com a fatura na mesa

Enquanto o STF cerca Bolsonaro, Motta põe em marcha plano para salvar golpistas e malandros

Anistia/ Com a fatura na mesa
Anistia/ Com a fatura na mesa
O presidente da Câmara pretende pautar o pacotão da impunidade – Imagem: Zeca Ribeiro/Agência Câmara
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Para afastar o risco de fuga de Jair Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes determinou, na terça-feira 26, que a Polícia Federal mantenha vigilância permanente sobre o ex-presidente. Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal organizou um rígido esquema de segurança, com varreduras nas casas dos magistrados, restrição de acesso à Praça dos Três Poderes e reforço no policiamento na sede da Corte. O julgamento do núcleo central da trama golpista começa em 2 de setembro e deve terminar até o dia 12.

A cautela é compreensível. O 8 de Janeiro evidenciou o poder de mobilização e destruição dos golpistas. Além disso, a PF encontrou, em celulares apreendidos com Bolsonaro, o rascunho de um pedido de asilo político à Argentina, salvo em fevereiro de 2024, dias após a deflagração da Operação Tempus ­Veritatis. Nesse mesmo período, o ex-presidente passou duas noites na Embaixada da Hungria em Brasília, como revelou à época o jornal The New York Times. O risco de fuga continua real: bastaria que o réu entrasse em um carro consular, oferecido por aliados como Javier Milei ou Viktor Orbán, para desencadear uma crise diplomática sem precedentes.

Enquanto o STF adota medidas para assegurar o julgamento, líderes do “Centrão” e bolsonaristas atuam pela aprovação de um pacote para garantir impunidade a corruptos e golpistas. Na quarta-feira 27, o presidente da Câmara, Hugo Motta, tentou pautar a “PEC das Prerrogativas Parlamentares”, que impede investigações contra congressistas sem aval prévio do Legislativo. A proposta só não foi votada por falta de consenso em torno do parecer do relator, ­Lafayette de Andrada (Republicanos).

Esse é, porém, apenas o primeiro passo de um acordo articulado por Arthur Lira, antecessor de Motta e principal fiador de sua eleição, para encerrar o motim bolsonarista no Congresso no início de agosto. Como detalhou CartaCapital na edição 1375, o pacto inclui ainda a aprovação de uma PEC que extingue o foro privilegiado, afastando do STF parlamentares acusados de desviar emendas, e também a anistia aos golpistas.

Ao anunciar o acordo, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, foi direto: a fatura bolsonarista só será paga “depois”, possivelmente após o julgamento do ex-presidente. Caberá então ao Supremo o ônus político de derrubar, se necessário, a anistia feita sob medida para um certo capitão.

Devassa nas emendas Pix

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a Polícia Federal investigue irregularidades em emendas parlamentares que somam 694 milhões de reais. A apuração abrange 964 emendas individuais de transferência especial, as chamadas de “emendas Pix”, aprovadas entre 2020 e 2024, e que não possuem plano de trabalho registrado no sistema do governo. O magistrado deu prazo de dez dias úteis para o Tribunal de Contas da União enviar às superintendências da PF em todo o País a lista das emendas sem cadastro, alvo do inquérito. O registro do plano de trabalho para essas emendas foi exigido pelo STF a partir de 2022 e visa garantir maior transparência e controle na liberação dos recursos públicos.

Argentina/ Boca na botija

Escândalo de corrupção atinge Karina Milei, irmã e mentora do presidente argentino

“Estamos roubando o roubo deles”, esclareceu o outsider – Imagem: Juan Mabromata/AFP

Javier Milei deixou de lado o discurso contra a “casta política” da Argentina. A mudança de tom coincidiu com um escândalo de propina paga por empresas do ramo farmacêutico em troca de contratos públicos que atinge em cheio sua irmã, Karina Milei, secretária-geral da Presidência. Pressionado pelas acusações, o outsider deu uma explicação digna de velhos coronéis. Em um evento, disse que os opositores o perseguem. “Ficam com raiva por estarmos roubando o roubo deles.”

As denúncias ganharam força após a divulgação de gravações por veículos argentinos. Nos áudios, uma voz atribuída a Diego ­Spagnuolo, então diretor da Agência Nacional para Pessoas com Deficiência (Andis), afirma que farmacêuticas eram pressionadas a repassar até 8% dos valores dos contratos. Karina Milei, segundo os relatos, ficaria com 3%, algo entre 500 mil e 800 mil dólares por mês, ou de 2,7 milhões a 4,3 milhões de reais.

A polícia fez buscas na sede da Andis, em uma distribuidora de medicamentos citada nos áudios e em endereços residenciais. Na casa de Spagnuolo, foram apreendidos uma máquina de contar dinheiro, documentos e celulares. Embora as autoridades ainda não tenham confirmado a autenticidade das gravações, a Casa Rosada demitiu o diretor. A crise, no entanto, persiste: as ações na Bolsa e o peso despencaram, Milei acumula derrotas no Congresso e analistas preveem um revés nas eleições legislativas de setembro e outubro.

Tiro no pé

A sanha tarifária de Trump volta a provocar abalos no comércio mundial e na economia norte-americana. Ao menos 25 países suspenderam o envio de encomendas de pequeno valor para os EUA, preocupados com o impacto do fim de uma regra fiscal vigente desde 1938. A decisão do governo Trump, que acaba com o benefício para produtos de até 800 dólares a partir de 29 de agosto, levou serviços postais da França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Índia, Austrália e Japão a interromperem esses envios. A União Postal Universal, órgão da ONU, afirmou que as suspensões valem até que haja uma definição clara sobre a implementação da nova norma por Washington.

EUA/ Aqui, não

O Fed enfrenta Trump e rechaça demissão de diretora sem “justa causa”

Lisa Cook resiste ao assédio do presidente norte-americano – Imagem: Acervo/Federal Reserve/USA

Em campanha ostensiva para forçar o Federal Reserve (Fed) a reduzir as taxas de juros, o presidente Donald Trump anunciou, pelas redes sociais, a demissão da diretora Lisa Cook, acusando-a de fraude hipotecária. Cook recusou-se a deixar o cargo e afirmou, por meio de seu advogado, que “não há motivo legal” para a dispensa e que Trump tampouco tem autoridade para demiti-la. “Reze para não ser presa”, amea­çou o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick.

Primeira mulher negra na direção do Fed, Cook integrou o Conselho de Assessores Econômicos de Barack Obama, atuou no Tesouro e foi indicada por Joe Biden. Seu mandato só expira em 2038. O Fed rejeitou o pedido de “demissão imediata” e informou que aguardará decisão judicial sobre a ação movida por Cook contra a decisão de Trump. A destituição de diretores, sem precedentes desde a aprovação da independência da instituição em 1951, só é possível por “justa causa”, em caso de conduta grave.

Antes de mirar em Cook, Trump havia feito sucessivas críticas ao presidente do Fed, Jerome Powell, alimentando rumores de que também poderia tentar afastá-lo. A instituição tem resistido a cortar os juros no ritmo desejado pela Casa Branca, em parte devido às pressões inflacionárias provocadas pelas políticas tarifárias do próprio governo.

Publicado na edição n° 1377 de CartaCapital, em 03 de setembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A Semana’

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