Política
Delírio nas Alterosas
O governador Romeu Zema, contra as evidências, insiste em postular a candidatura à Presidência


A partir da próxima terça-feira 2 de setembro, as atenções políticas do País estarão voltadas para o julgamento no Supremo Tribunal Federal do ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de tramar um golpe de Estado. Pela quantidade de provas produzidas pelos próprios golpistas, a condenação de Bolsonaro é dada como líquida e certa, constatação que antecipou a guerra intestina pelo espólio político do capitão. Além dos filhos e da esposa Michelle, ao menos quatro governadores decidiram colocar o bloco na rua. Um deles de forma explícita e precipitada. Romeu Zema, de Minas Gerais, lançou no início de agosto, em São Paulo, a pré-candidatura à Presidência da República. O colega Ronaldo Caiado, de Goiás, já havia anunciado a intenção, mas ainda não chegou ao ponto de subir oficialmente no palanque. Ratinho Jr., do Paraná, também se movimenta, de maneira levemente mais discreta. O preferido da Faria Lima continua a ser Tarcísio de Freitas, de São Paulo.
A reação do clã Bolsonaro, que se considera proprietário do eleitorado de extrema-direita, foi imediata. Um dia após o anúncio de Zema, o vereador Carlos foi às redes sociais criticar governadores que tentam ocupar o espaço político do pai e da família. “Todos vocês se comportam como ratos, sacrificam o povo pelo poder e não são diferentes dos petistas que dizem combater”, escreveu Carluxo naquele estilo inconfundível. Adendo: a referência ao roedor não se limita ao filho do apresentador do SBT.
Na tentativa de ganhar visibilidade nacional, Zema segue as ordens do marqueteiro contratado pelo partido Novo, o antropólogo Renato Pereira, criador do slogan “Vamos varrer o PT do mapa”. Um discurso radicalizado e piadas de “tiozão do zap” parecem, no entanto, insuficientes para alçar o governador aos píncaros da escolha popular. Nas simulações de segundo turno, o mineiro tem o pior desempenho no confronto com o presidente Lula. Até Pablo Marçal, condenado pela Justiça Eleitoral, se sai melhor. O mais recente levantamento Genial/Quaest, de 22 de agosto, captou um recuo na aprovação de Zema no estado que administra, de 62% em fevereiro para 55%. Atualmente, 35% dos eleitores desaprovam sua gestão. “O governador não tem uma marca ou entrega significativa em nenhuma área. Vai ser difícil para se colocar nacionalmente”, analisa o sociólogo Fábio da Silva Gomes, presidente do Instituto Informa. A perda de fôlego político reflete-se ainda em críticas locais. “Zema não governa mais Minas, abandonou o estado para fazer campanha”, afirma o deputado Cleiton, do PV. No campo bolsonarista raiz, o desgaste é semelhante: na Assembleia Legislativa, o deputado Cabo Caporezzo, PL, em resposta às críticas dirigidas ao deputado autoexilado Eduardo Bolsonaro, chamou o governador de “canalha”.
Eleito com a imagem de outsider, o filiado ao Novo não demorou para se comportar como um político “tradicional”. Uma das promessas populistas de campanha foi esquecida rapidamente. Zema prometeu não usar aviões oficiais, mas, segundo o Portal da Transparência, o governador fez mais de 70 voos apenas no primeiro semestre deste ano, com agendas em 107 municípios. A oposição passou a falar em “farra dos jatinhos”, inclusive em viagens para participar de eventos que nada interessam à maioria da população, como a ida a São Paulo em 6 de abril para participar de um ato em defesa de Bolsonaro.
O mineiro corre por fora. Bem por fora
Na área fiscal, o discurso da austeridade desceu pelo ralo. A administração abriu mão de 25 bilhões de reais em impostos nos primeiros seis meses de 2025 e de 140 bilhões de reais em sete anos por meio de renúncias que beneficiaram doadores de campanha do governador. O valor praticamente corresponde à dívida do estado com a União, de 190 bilhões de reais. Quando assumiu, o débito era de 120 bilhões. “Os números comprovam que ele é um péssimo gestor. Ele aumentou em 51% a dívida pública do estado”, afirma o deputado Cleiton.
A questão social não aparece, por enquanto, na propaganda eleitoral de Zema nas redes sociais. Não à toa. Segundo o Índice de Pobreza Multidimensional, 3,4 milhões de mineiros vivem em situação de pobreza, dos quais 764 mil em condição crônica. Metade da população enfrenta algum grau de insegurança alimentar. Na segurança pública, a inspiração tem sido o regime de exceção de Nayib Bukele, em El Salvador, merecedor de rasgados elogios do mineiro. Sobra discurso, falta ação. Minas Gerais tornou-se, nos últimos anos, a segunda base do PCC no Brasil, segundo reportagem do jornal O Tempo. Apenas uma das 182 unidades prisionais conta com bloqueador de sinal de celular. Até o combustível para viaturas teria sido contingenciado, denuncia a oposição.
Comparado a outros pré-candidatos da direita, Zema é uma espécie de pangaré eleitoral. Caiado e Ratinho Jr. somam índices de aprovação próximos a 80%, enquanto o mineiro opera na casa dos 53%. Áreas como saúde, educação e segurança são as mais criticadas, de acordo com a pesquisa Quaest.
No Palácio Tiradentes, sede do governo mineiro, o entorno reconhece as fraquezas do governador no cenário nacional. Por isso, Zema está aberto a negociações. Um desejo seria ocupar a vice em uma eventual chapa encabeçada por Tarcísio de Freitas, em uma versão extremista da velha política do café com leite. “Já participei de duas campanhas e sei que mudanças acontecem no caminho. Hoje, a proposta é permanecer candidato”, declarou.
Na 70ª Festa do Peão de Barretos, presidenciáveis da extrema-direita admitiram lançar candidaturas individuais e discutir apoios apenas em um eventual segundo turno. Sem a presença do clã Bolsonaro, o evento ilustrou a fragmentação do campo bolsonarista. Convém atentar-se ao espírito camicase da família Bolsonaro. •
Publicado na edição n° 1377 de CartaCapital, em 03 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Delírio nas Alterosas’
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