

Opinião
Sanções ultraterritoriais
Precisamos reafirmar as bases do nosso pacto social ao rechaçar interferências estrangeiras, de matriz imperialista e de ultradireita, sobre a atuação das nossas instituições


Os Estados Unidos pretendem, pelo uso ilegal da Lei Magnitsky, fazer valer, em território brasileiro, descabidas sanções ultraterritoriais contra o ministro Alexandre de Moraes. É preciso rechaçá-las.
O ministro Flávio Dino, ao tratar sobre o conteúdo constitucional dos efeitos de decisões estrangeiras em território nacional, acertou na veia ao constatar inexistir subordinação do Brasil a decisões judiciais, leis, decretos, ordens executivas e similares, emanadas de Estado estrangeiro, bem como qualquer eficácia de tais atos no território brasileiro sem a devida incorporação e concordância dos órgãos de soberania regrados pela Constituição e pelas leis nacionais. Com efeito, a República Federativa do Brasil, muito além de um ente normativo abstrato ou de mero aparato burocrático estatal, é um solo comum de princípios e valores que nos une e inspira a atuação dos Poderes constituídos. Nossas riquezas, nossa diversidade e nossos valores nos singularizam e nos definem.
Os valores que nos unem e o pacto social que nos conforma visam, antes de mais nada, assegurar a dignidade de nossos cidadãos. O desenvolvimento nacional e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa destinam-se, portanto, ao bem de todos nós. Assim, diuturnamente, almejamos alcançar a cidadania plena, construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e, ainda, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A nossa soberania é um elemento essencial nesse desiderato. Sem a capacidade plena em definir nossos rumos, nosso pacto social se esvazia e os brasileiros ficam sujeitos aos interesses egoísticos das intercorrências transnacionais. Não por acaso, nossa Constituição dispôs, dentre os seus princípios fundamentais, que a República Federativa do Brasil se rege, nas suas relações internacionais, pelos princípios da independência nacional, autodeterminação dos povos, não intervenção, igualdade entre os Estados e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
Ademais, nossa Constituição, ao tratar sobre seus princípios fundamentais, previu que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
Sem a autodeterminação dos brasileiros e das instituições nacionais, bem como da independência na definição dos nossos rumos, estaremos fadados ao retrocesso civilizatório.
O Estado Democrático de Direito ampara-se em determinadas dimensões materiais e formais que podemos resumir em supremacia da Constituição, juridicidade, democracia, república, separação das funções estatais e garantia dos direitos fundamentais. A conformação do poder político e a organização da sociedade pelo Estado Democrático de Direito são, nesses termos, condições de realização dos direitos fundamentais em sua acepção plena.
O Supremo Tribunal Federal tem impulsionado as ações penais derivadas das denúncias formuladas pela Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros acusados pelos crimes de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Precisamos reafirmar as bases do nosso pacto social ao rechaçar interferências estrangeiras, de matriz imperialista e de ultradireita, sobre a atuação das nossas instituições. A gradual fragilização dos espaços e dos sentidos da democracia e da relação de pertencimento à sociedade ocorreu, capitaneada pelo ex-presidente, por meio de específicos artifícios enfraquecedores do pacto civilizatório e das instituições democráticas.
Devemos transmitir o recado contundente de que atos atentatórios à democracia não serão, jamais, tolerados. Do contrário, estaremos fadados ao questionamento dos pilares democráticos. A solidez democrática não se realiza apenas nas urnas, mas pelo pacto irrenunciável de que as regras do jogo serão sempre obedecidas. Nenhuma incursão, interna e externa, vilipendiadora desse propósito deve ser admitida.
A cidadania precisa reagir aos ataques desferidos contra o Brasil, em defesa da nossa soberania nacional e do Estado Democrático de Direito. Os sacrifícios pessoais dos nossos ministros do Supremo devem ser reconhecidos e eternizados na nossa história democrática. A eles o nosso intransigente apoio. •
Publicado na edição n° 1377 de CartaCapital, em 03 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Sanções ultraterritoriais’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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