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Supremacia em moda

Empresas aderem à reação anti-woke encampada pelos fanáticos do MAGA

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Eugenia. O trocadilho entre jeans e genes da campanha da American Eagle reacendeu o debate racial no país – Imagem: Leonid Gerascimenko
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Uma campanha publicitária da American Eagle estrelada pela atriz Sydney Sweeney, republicana de carteirinha, é a mais clara adesão de empresas e marcas ao discurso da supremacia branca tão em voga entre os apoiadores de Donald Trump. A peça publicitária, na qual a atriz loira diz great jeans, um trocadilho com “genes”, reacendeu o debate racial no país.

O presidente dos EUA nunca escondeu seu alinhamento à racehorse­ ­theory: como os cavalos de corrida, seres humanos com bons genes têm mais chances de vencer na vida, uma ideia básica do eugenismo. Em 2020, durante um discurso em Minnesota, Trump disparou: “Vocês têm bons genes, sabem disso, né? Vocês têm bons genes. Muito disso é sobre os genes. Vocês não acreditam nisso? A teoria do cavalo de corrida. Acham mesmo que somos tão diferentes? Vocês têm bons genes em Minnesota”. As referências à teoria vêm, no entanto, de longa data. Em 1988, em uma entrevista à apresentadora negra Oprah Winfrey, afirmou:

“Você tem que nascer sortudo, no sentido de ter os genes certos”. Durante a campanha à Presidência, em outubro passado, afirmou no Hugh Hewitt Show que imigrantes sem documentos envenenavam o sangue dos norte-americanos. “Muitos deles já mataram mais de uma pessoa, e agora estão vivendo confortavelmente nos Estados Unidos. Sabe, eu acredito nisso: assassinos têm isso nos genes. E temos uma quantidade significativa de genes ruins em nosso país atualmente.”

Em 2018, o fascínio de Trump pelo tema foi exposto a empresários britânicos durante um jantar no Palácio de Blenheim, em Oxfordshire. “Todos vocês aqui têm linhagens sanguíneas muito boas”, discursou. “Vocês têm um DNA incrível.”

A professora Shannon O’Brien, da Universidade do Texas, lançou no ano passado o livro Eugenics in American Political Life: How the Politics of ­Superiority Still Shape Us Today (em tradução livre, Eugenia na Vida Política Americana: Como a Política da Superioridade Ainda nos Molda Hoje). A obra faz uma análise dos fundamentos da eugenia norte-americana e como ela continua presente na política atual.

Em conversa com ­CartaCapital, O’Brien afirma que as declarações de Trump são claramente eugenistas. “Quando ele fala que alguém não tem a ‘aparência presidencial’, ou a Biden, ‘você não tem isso no seu sangue’, isso reflete o histórico norte-americano de discriminação, inclusive contra irlandeses. Os imigrantes, segundo ele, ‘têm genes ruins’. Essa ideia dialoga com antigas estratégias excludentes.” E, ao utilizar expressões como “bons genes”, “envenenar o sangue do país” ou comparar adversários a “animais”, o presidente recorre ao chamado dog whistle político, tática que, à primeira vista, parece inofensiva, mas na verdade desperta preconceitos e ressentimentos raciais, transmitindo mensagens codificadas que reforçam hierarquias e exclusões. Não são necessariamente insultos explícitos, mas funcionam como apelos sutis ao medo e à divisão.

A tese de uma genética superior, branca, ganha terreno no país

Segundo a professora, a radicalização do discurso de Trump no segundo mandato abre espaço para a teoria do mérito hereditário. “Ele legitimou, com sua posição de autoridade, aquilo que boa parte do país só murmurava. Ao recorrer à genética e à linhagem, ele promove a exclusão e corrobora a desigualdade sob a máscara da ciência. Ele claramente adota o nordicismo, essa visão de que nascidos no Norte da Europa teriam ancestralidade superior e seriam melhores. No livro que escrevi, criei um gráfico dos termos que ele usava para mulheres não brancas. Ele repetidamente recorre a linguagem objetificante para rebaixá-las.”

É, no mínimo, intrigante como a menção à genética passou a pipocar em anúncios recentes nos EUA. Dias após o anúncio da American Eagle, a Dunkin’ lançou o comercial Golden Hour ­Refresher, com o ator Gavin Casalegno. Nele, o jovem branco de olhos verdes atribui seu tom de pele à “genética”. A reativação do debate sobre genes e mérito em campanhas publicitárias e no discurso oficial desafia não apenas padrões éticos da comunicação, mas a própria compreensão que os EUA têm sobre identidade, diversidade e justiça social. Uma pesquisa publicada em junho pelo American Journal of ­Human Genetics mostrou que rótulos raciais autoidentificados – “negro”, “branco”, “latino” etc. – não refletem com precisão a ancestralidade da população. A partir de dados de mais de 200 mil genomas, o estudo descobriu que essas categorias são meras construções sociais e políticas, e não correspondem à diversidade real no nível do DNA.

Para O’Brien, o desafio é enfrentar a sedução dos discursos fáceis. “Nos estados mais ferozmente anti-imigrantes, há o medo do outro. Em vez de valorizar a diversidade, líderes como Trump dizem tratar-se de ‘animais’. É fácil culpar imigrantes pelos problemas, esquecendo que as escolhas determinantes foram feitas há décadas e têm muito mais a ver com geopolítica do que com a imigração propriamente dita.” A escritora lembra das mudanças econômicas e sociais que serviram de estopim para o crescimento desse ressentimento. “Muitos acreditavam que ter um diploma de ensino médio bastava para uma boa vida operária, mas essa realidade secou. Vemos uma classe média cada vez mais fraturada. É muito fácil culpar os imigrantes pelo problema, em vez de assumir o peso de políticas antigas. Customizar a culpa é um velho truque e Trump oferece respostas fáceis. Ele dá um roteiro de vencedores, mesmo àqueles que se sentem deixados para trás.”

O avanço do eugenismo ultrapassa a fronteira dos EUA e cresce em países como Hungria, Polônia e Itália, nos quais partidos de extrema-direita detêm o poder e defendem abertamente políticas seletivas de natalidade e a exaltação das “linhagens europeias”. Seja nos trocadilhos publicitários, seja nas políticas excludentes, os estereótipos prevalecem até no mais inofensivo contexto. “Como aquelas princesas da Disney com olhos enormes. Isso vem da frenologia, os chamados ‘olhos de pomba’, que eram vistos como ideais para o amor e a atração”, diz O’Brien. Saber, portanto, a quem serve essa “herança genética” é tão urgente quanto entender o legado dos discursos que movem as democracias. E também aqueles que as destroem. •

Publicado na edição n° 1376 de CartaCapital, em 27 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Supremacia em moda’

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