Cultura
Clássico, mas multimídia
Com a mescla de linguagens e artes, a mexicana Alondra de la Parra busca ampliar o alcance das obras eruditas


“Pare de pensar que está em uma sala de concertos e deixe sua imaginação voar.” Com esta frase, a maestrina Alondra de la Parra explica o que tem buscado fazer no meio erudito: torná-lo multimídia e a aproximá-lo de novas linguagens.
Atualmente regente titular e diretora artística da Orquestra e Coro da Comunidade de Madri, na Espanha, Alondra é um dos nomes mais representativos da música clássica latino-americana. Conhecida pelas performances vibrantes e pelo carisma, ela foi apontada, pelo Le Monde, como alguém que trouxe a música clássica para o século XXI.
The Silence of Sound (O Silêncio do Som), que ela apresenta com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) entre a quinta-feira 21 e o domingo 24, é exemplar dessa sua busca. O espetáculo, criado por Alondra em parceria com a também mexicana Gabriela Muñoz, une música clássica, circo, teatro e vídeo.
Poucos dias antes de embarcar para o Brasil, a maestrina contou em entrevista a Carta Capital que The Silence of Sound nasceu há nove anos, do zero, quando ela conheceu o trabalho de Gabriela, a intérprete da palhaça Chula. “Por meio de gestos, ela é capaz de traduzir muitas emoções, e a música comunica tudo”, diz Alondra, que viu em Chula o potencial para uma narrativa em que a mímica fosse guiada pela música.
“É um espetáculo em que o silêncio e o som se combinam para criar uma nova forma de expressão, levando o repertório de uma orquestra a um público muito maior”, aposta ela. Antes de aterrissar na América Latina, o espetáculo foi apresentado na Alemanha, no México e na Espanha.
Ao incorporar a palhaça, o universo do circo e elementos coreográficos do balé, Gabriela Muñoz encontrou uma forma de expressão que prescinde da linguagem verbal. “Não existe um roteiro verbal, ele é construído pela música, que move as emoções de Chula”, descreve Alondra. “Ao mesmo tempo que a música impulsiona suas ações, essas ações são refletidas no andamento musical.”
Vídeos projetados no palco criam o visual por onde transitam os músicos e a palhaça, narrando a história de Chula, que passa anos em silêncio e descobre o próprio potencial criativo por meio da música.
Interagindo com os instrumentos da orquestra – principalmente o oboé, o violoncelo e o violino –, Chula enfrenta o medo e a solidão, abraça o amor e a felicidade, e se deixa levar por um poder ilimitado até encontrar sua redenção.
“A música torna-se a voz de Chula, a forma como ela transmite suas emoções”, afirma Alondra, que pela primeira vez atua como produtora, regente e diretora de palco. No repertório, obras de Claude Debussy, Béla Bartók, Jules Massenet, Jean Sibelius, Sergei Prokofiev, Federico Ibarra e Johannes Brahms são costuradas em um bordado único.
O som do oboé, por exemplo, representa um pássaro. “Mas é um pássaro que você nunca vê de verdade. É como nos sonhos, em que você tem certeza de que é um pássaro, mas ele não se parece com um.”
“Pare de pensar que está em uma sala de concerto e deixe sua imaginação voar”, propõe a maestrina
Ao se libertar da gaiola em que está presa, Chula encontra no oboé-pássaro um amigo que lhe dá conselhos, a convida para brincar e pede que seja cuidadosa em suas escolhas. O oboé não é o único instrumento tornado personagem.
No decorrer da trama, Chula se apaixona pelo violoncelo e pelo violino. O primeiro é o amor leve, seguro, gentil e terno. O violino, como define Alondra, é “o desconhecido, a aventura excitante, sexy e perigosa, e simplesmente irresistível”. Durante o espetáculo, os músicos interagem com a plateia.
Em uma cena em que a palhaça Chula chega ao mar pela primeira vez, a orquestra de cordas da Osesp evoca a agitação e a instabilidade oceânica. “Escolhemos La Mer, de Debussy, que começa lentamente à medida que ela absorve sua descoberta. Conforme eu e Gabriela íamos ouvindo a obra, fomos criando a narrativa da cena a partir da música”, conta Alondra.
Nascida em Nova York, filha de pais mexicanos, Alondra de la Parra mudou-se para a Cidade do México aos 2 anos, e lá cresceu e fez sua formação musical. Seu pai, num período, chegou a viver no Brasil e, daqui, levou a música brasileira – que Alondra ouviu muito em casa na infância.
Talvez por isso sua relação com as orquestras brasileiras seja tão intensa. A primeira colaboração com a Osesp aconteceu em 2009 e, desde então, a parceria repetiu-se não apenas com a Osesp, mas também com a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), no Rio.
Fundadora da Orquestra Filarmônica das Américas, de Nova York, e ex-diretora musical da Sinfônica de Queensland, Alondra já esteve à frente da Orquestra de Paris, da Filarmônica de Londres, da Sinfônica da Rádio de Berlim e da Filarmônica da BBC.
Dentro de seu projeto de aproximar a música clássica de um novo público, Alondra criou o Festival Paax, que acontece na Riviera Maya, no México. O evento, além de música de concerto, oferece espetáculos de balé e gastronomia, e conta com o auxílio luxuoso de uma orquestra residente formada por astros da música de concerto do mundo todo, como um supergrupo de rock, chamada de Orquestra Impossível.
Outro exemplo dos diálogos que ela busca estabelecer é o novo espetáculo Gershwin, La Vida en Azul, que estreou este ano no México. Também criado por ela, o show reúne mais de 80 artistas no palco e combina várias artes e gêneros musicais, como jazz, música sinfônica e dança, por meio da vida e obra de George Gershwin. “Vamos entrar em turnê e seria maravilhoso voltar a São Paulo com ele.” •
Publicado na edição n° 1376 de CartaCapital, em 27 de agosto de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Clássico, mas multimídia’
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