Do Micro Ao Macro
‘Roça sem fogo’ melhora produção agrícola em comunidades rurais e indígenas do Pará
Iniciativa apoiada pelo Sebrae e financiada pela União Europeia aumenta em 400% a produção de mandioca e grãos


No sudeste do Pará, agricultores familiares, povos indígenas e lideranças comunitárias estão modificando a forma de produzir alimentos. Em municípios como Paragominas, o programa Sustenta e Inova, executado pelo Sebrae no Pará em parceria com instituições como Cirad, Embrapa e Ipam, já capacitou cerca de 200 produtores e alcançou resultados expressivos: a produção agrícola duplicou e a de mandioca e grãos aumentou 400%.
Agricultura sem queima
A principal técnica adotada é a “roça sem fogo”, que substitui o corte e queima por manejo do solo, consórcio de culturas e uso de plantas de cobertura. O método elimina riscos de incêndios em períodos de seca, melhora a fertilidade e amplia a diversificação da produção. O resultado é segurança alimentar, renda ampliada e recuperação de áreas degradadas.
O projeto atua em oito cadeias estratégicas: mandioca, mel, piscicultura, fruticultura – com destaque para o cacau –, leite, bovinocultura e avicultura. Produtos que antes eram vendidos de maneira informal, como farinha de mandioca e mel, hoje são regularizados e chegam a supermercados e programas institucionais.
Resultados socioambientais
Em dois anos, 20 agroindústrias foram monitoradas para aprimorar gestão e processos, enquanto 200 produtores receberam capacitação em boas práticas, marketing e gestão de negócios. Entre os impactos, estão a redução do uso do fogo, o aumento da biodiversidade, a recuperação do solo e a inclusão de novos alimentos, como sorgo e feijão-guandu.
Além do aspecto produtivo, o Sustenta e Inova fortalece a organização comunitária, capacita jovens, valoriza a participação de mulheres e reforça o protagonismo indígena.
Desafios e expansão
Rubens Magno, diretor-superintendente do Sebrae no Pará, destaca que a experiência combina retorno econômico com responsabilidade socioambiental. “Eliminar o risco de incêndios é prioridade para reduzir emissões e preservar a Amazônia. Essa prática deve ser referência para outras regiões”, afirma.
Segundo Fabiano Soares Andrade, gerente do Sebrae na região Capim, o diferencial do programa é articular restauração florestal e acesso ao mercado. “A roça sem fogo aumenta a produtividade e prepara produtos sustentáveis para atender consumidores exigentes”, explica.
Organização local
O geógrafo René Poccard-Chapuis, do Cirad, ressalta a importância da mobilização comunitária para o sucesso da iniciativa. “É uma transição de uma técnica milenar baseada no fogo para uma agricultura permanente. A organização das comunidades é determinante para evitar incêndios e manter credibilidade”, avalia.
Maria Peniche, coordenadora do Fórum Paragominas, reforça que cada comunidade enfrenta condições distintas de solo e precisa de assistência contínua. “Tivemos ganhos com a mandioca e a diversificação de culturas, mas ainda há barreiras, como a falta de regularização fundiária e de crédito”, diz.
Vozes indígenas e sociais
Josuel Tembé, da aldeia Payhu, lembra que a seca de 2024 trouxe grandes incêndios à Terra Indígena Alto Rio Guamá. “Agora, com a roça sem fogo, estamos mudando a rotina da comunidade. Aprendemos juntos, mas precisamos de mais apoio técnico para proteger a floresta e garantir a produção”, afirma.
Para a socióloga Cristina Rosero, do Cirad, a experiência mostra que as soluções para a Amazônia passam também pelo aspecto social. “A floresta é habitada por milhões de pessoas. A COP30 precisa dar espaço às populações que vivem dela e com ela”, pontua.
A experiência em Paragominas reforça que inovação agrícola, preservação ambiental e protagonismo comunitário podem caminhar juntos, abrindo caminho para uma Amazônia produtiva, sustentável e resiliente.
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