Gustavo Freire Barbosa

gustavofreirebarbosa@cartacapital.com.br

Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

Aceitar a chantagem dos EUA é reconhecer que o crime compensa

Acreditar o Brasil deve ceder aos desmandos de Trump significa abrir precedente para uma intervenção estrangeira

Aceitar a chantagem dos EUA é reconhecer que o crime compensa
Aceitar a chantagem dos EUA é reconhecer que o crime compensa
Os ministros do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino e Alexandre de Moraes. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
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“Não quero ter razão, quero ser feliz”, disse Ferreira Gullar, lembrando que, às vezes, ter paz e felicidade é melhor do que estar certo.

É possível que o senador Carlos Portinho (PL-RJ) tenha se inspirado em Gullar para criticar a decisão do ministro Flávio Dino que reforçou o óbvio: leis estrangeiras – em especial a Lei Magnitsky, utilizada contra Alexandre de Moraes – não podem ser aplicadas na base do copia e cola em território nacional. Segundo o parlamentar, “às vezes é melhor ser feliz” e que não “dá para dobrar a aposta toda hora”. O Brasil, segundo ele, precisa de paz.

O mercado financeiro é que parece ter perdido a paz com a decisão de Dino. Preservar a bolsa de valores, assim, justificaria os efeitos irrestritos de uma lei estrangeira em território nacional. Soberania é fator secundário. Segurança jurídica, só para bancos. Da mesma forma, defender a autodeterminação do País, embora seja o certo, traria consequências infelizes ao povo brasileiro, a quem resta penhorar suas esperanças no estrangeiro. O melhor, claro, é sempre ser feliz. 

O problema é que não há felicidade em decisões tomadas sob chantagens e ameaças. Acreditar que se deve ceder ao chantageador significa, nesse caso, abrir precedente para uma intervenção estrangeira. Será que vale a pena permitir que leis e instituições de outra nação prevaleçam diante das brasileiras? O que implica aceitar que, de fora, decidam o que deve acontecer aqui?

É bom lembrar que as duas grandes guerras mundiais foram, em sua essência, guerras coloniais. Ambas tiveram como pano de fundo a expansão territorial de países da Europa ocidental. Esta expansão consistia em ampliar e consolidar o número de nações colonizadas. Com o fim da Segunda Guerra e a derrota do nazifascismo, expressão mais genuína do colonialismo, alquebrou-se a ideia de que é aceitável que existam metrópoles e colônias.

A partir de 1945, os impérios coloniais que restavam foram caindo um a um. Argélia, Vietnã, Angola e Moçambique se puseram em guerras de libertação nacional contra as metrópoles. Na maioria dos casos, o resultado foi a independência, contrária às intenções das antigas metrópoles – que, muito sinceramente, acreditavam que o melhor para suas ex-colônias era permanecer sob seu domínio.

Esta última convicção permanece até hoje. Se o colonialismo clássico não é mais aceito, convém substituí-lo por mecanismos mais sutis, como o controle pela dívida pública e mecanismos financeiros internacionais que impõem que países periféricos continuem submetidos ao poderio do centro do capitalismo, que não hesita em determinar a suspensão de direitos sociais, de natureza constitucional, para que seja possível fazer caixa e direcioná-lo ao dreno do rentismo.

Em defesa das big techs estadunidenses e na ânsia de contrapor o avanço chinês, Trump decidiu jogar para cima algumas convenções que, mesmo nos tempos mais fortes do FMI, buscava-se manter. Um exemplo é o respeito, ainda que teatral, às soberanias nacionais. Quando um império entra em declínio, contudo, usar garfo e faca passa a ser e menor das preocupações.

Ao mesmo tempo em que tenta emplacar as leis de seu país no Brasil, Trump anuncia que irá invadir a Venezuela, apoiando-se na delirante acusação de que Maduro é um narcotraficante. Tanto num caso como no outro, achar que Trump está certo é reconhecer que o crime compensa.

Neste tipo de situação, só se é feliz tendo razão. E vice-versa.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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