Frente Ampla

Após vídeo de Felca, não podemos perder a oportunidade de proteger a infância

Os culpados são apenas os chamados influenciadores (inescrupulosos)? Não, as plataformas digitais lucram com esse tipo de aberração

Após vídeo de Felca, não podemos perder a oportunidade de proteger a infância
Após vídeo de Felca, não podemos perder a oportunidade de proteger a infância
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
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O vídeo produzido pelo influenciador Felipe Bressanim, o Felca, denunciando a “adultização” de crianças nas redes sociais atingiu mais de 200 milhões de visualizações e produziu efeito tamanho que conseguiu fazer o Congresso Nacional se mexer para levar à pauta propostas de proteção à infância na internet.

Além disso, na manhã da sexta-feira 15, o influenciador Hytalo Santos, dono de um dos perfis denunciados no vídeo, foi preso na cidade de Carapicuíba, em São Paulo, no curso de investigação sobre exploração e exposição de menores.

O termo “adultização”, utilizado por Felca, designa a conduta de estimular e expor precocemente crianças e adolescentes a comportamentos reservados a adultos, tais como aqueles ligados à sexualidade, prática criminosa que ganhou nas redes sociais uma facilidade imensa devido a impulsos dos algoritmos e à falta de regulação das plataformas.

O que causa maior repulsa, com justiça, é a exploração sexual de crianças e adolescentes, que começam com dancinhas que alguns podem até achar engraçadas ou inocentes, mas funcionam como chamariz para pedófilos. A “adultização”, porém, não se resume a isso: ela também pode estar presente, por exemplo, em casos como os “pastores mirins” ou as crianças “fisiculturistas” – até isso existe! –, que são expostos e viralizam nas redes.

Dado o caráter viral do vídeo, o debate rapidamente se alastrou pela sociedade e conseguiu sensibilizar grandes parcelas da população sobre a gravidade do problema. A infância é um momento curto e fundamental para a formação do ser humano, é tempo de proteção, amor, acolhimento e aprendizado. É absolutamente condenável e repugnante que adultos suprimam essa fase essencial da vida dos pequenos e a transformem em meio de vida – ou seja, lucrem com sua monetização.

Mas os culpados por essa prática imoral e criminosa são apenas os chamados influenciadores (inescrupulosos)? Não, as plataformas digitais lucram com esse tipo de aberração, agindo na fenda aberta pela ausência de regras que tornou a internet um terreno fértil para toda sorte de ilegalidades. Elas também devem responder!

Está em pauta novamente o debate sobre a urgência de regulação das plataformas digitais. Um dos conceitos mais importantes a serem fixados em um regramento é o dever de cuidado, que consiste no conjunto de obrigações e protocolos a serem cumpridos pelas plataformas com o objetivo de prevenir ou mitigar conteúdos ilícitos, como a disseminação de conteúdos de exploração sexual infantil nas redes. Além disso, é importante que as próprias empresas passem a tomar medidas preventivas de proteção à infância desde a concepção dos aplicativos, em linha com as políticas de segurança por design.

Não há justificativa para que perfis que expõem crianças e adolescentes nus ou seminus não sofram moderação (bloqueio ou retirada do conteúdo), sendo que a tecnologia identifica nudez até em obras de arte e, muitas vezes, veda a exposição (nesse caso, equivocadamente). O que há é negligência e omissão em nome da manutenção dos lucros.

Como a regulação das plataformas é um tema que mobiliza pressões políticas e econômicas poderosas — tanto que uma das motivações para o tarifaço de Trump é responder ao julgamento do Art. 19 do Marco Civil da Internet pelo STF —, a oportunidade aberta pelo vídeo-denúncia de Felca precisa ser aproveitada, se não para regulação mais abrangente, ao menos para dar passos que minimizem os riscos.

Por isso, considero que o governo Lula acerta ao apoiar a urgência e votação do PL 2628/2022, de iniciativa do senador Alessandro Vieira, que foca em medidas de proteção à infância nas plataformas digitais (uma espécie de ECA digital), como disposições sobre deveres de cuidado a serem observados desde o design das aplicações de internet, mecanismos de facilitação do controle parental, vedações a tratamento e disposição de dados pessoais, vedações à publicidade infantil, além de responsabilização das empresas infratoras, com penas que variam de multa à suspensão e até proibição das atividades.

É preciso vigilância, mobilização e firmeza, porque a pressão das big techs já começa a produzir tentativas de retirar a responsabilização, o que tornaria a lei um conjunto de recomendações para autorregulação – convenhamos, já passamos dessa fase.

Ao apoiar iniciativa própria do Parlamento, o governo tira da sala um possível contencioso sobre o protagonismo político da medida, demonstra respeito ao Legislativo e foca no que é importante: proteger a infância. Essa é uma oportunidade que não podemos perder.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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