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Com a palavra, os dizimados

Micheliny Verunschk usa as línguas dos povos originários para narrar uma história passada no século XVIII

Com a palavra, os dizimados
Com a palavra, os dizimados
Prêmios. A autora já ganhou os prêmios Oceanos e Jabuti – Imagem: Renato Parada
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Na literatura da pernambucana ­Micheliny Verunschk, a pesquisa de linguagem é tão importante quando a narrativa. Na verdade, é dessa investigação que nascem a prosa e a trama.

Assim como O Som do Rugido da Onça (2021), ganhador dos prêmios Oceanos e Jabuti, seu livro mais recente, Depois do Trovão, é um romance histórico. Como é típico no gênero, o passado serve para iluminar o presente e nos dar conta do movimento da narrativa histórica.

A contemporaneidade permite – e, em certa medida, até incentiva – a desconstrução e a reconfiguração de clássicos. E, neste caso, a referência mais imediata para quem lê o livro pode ser um gênero literário do século XIX que ficou conhecido como indianista, cuja obra mais conhecida é ­O Guarani, de José de Alencar.

Em sua resposta à literatura do passado, a autora tem, como ponto de partida, o episódio conhecido como Guerra dos Bárbaros, quando a coroa portuguesa, nos séculos XVII e XVIII, promoveu expedições para dizimar povos nativos do Nordeste brasileiro. Esse fato histórico é um elemento importante da narrativa, que é protagonizada por Auati, filho de uma indígena com um frei jesuíta.

Ainda pequeno, o menino é levado pelo pai para uma de suas missões evangelizadoras. Diante das atrocidades das quais é forçado a tomar parte, Auati acaba por se reinventar como outra pessoa, chamada Joaquim Sertão.

DEPOIS DO TROVÃO. Micheliny Verunschk. Companhia das Letras (232 págs. 79,90 reais)

O nome, é claro, não foi escolhido ao acaso. O Sertão que atravessa o País é o cenário central tanto da narrativa quanto da trajetória de Auati, que, a partir de sua participação em momentos históricos – seja como vítima, seja como perpetrador da violência –, constrói uma identidade própria

Micheliny combina línguas como português castiço, o tupi-guarani, o nheengatu paulista e as línguas tapuias – faladas pelos nativos que não se comunicavam em tupi antigo – para adentrar um mundo marcado pela diversidade que a colonização portuguesa tentou sufocar.

Para o leitor, é um desafio entrar nessa relação que transita entre línguas e se consolida nessa combinação. Mas é por meio dela que a escritora, além de contar uma história, partilha experiências do passado e, ao mesmo tempo, nos confronta com o presente, no qual os povos originários seguem a sofrer diferentes ameaças.

Essa opção, que responde pela potência de Depois do Trovão, pede um leitor ativo, que goste de ser provocado. •

Publicado na edição n° 1375 de CartaCapital, em 20 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Com a palavra, os dizimados’

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