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Tempos estranhos

As projeções econômicas do mercado financeiro distanciam-se cada vez mais da realidade do País

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Imagem: Redes Sociais/Honda
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Vivemos tempos estranhos em que se tornaram comuns análises e projeções econômicas – feitas, em geral, por agentes do mercado e amplamente reverberadas pelos principais veículos de comunicação – que desconsideram, sem cerimônia, os dados da realidade e ignoram as variáveis que de fato interferem na vida das pessoas. Com razão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem se queixado desse prisma através do qual o segmento financeiro insiste em enxergar a economia brasileira, como se fosse possível criar também nessa área uma realidade paralela, algo tão em voga na seara política desde o fortalecimento da extrema-direita.

Nessa toada, o desemprego atingiu 5,8% no segundo trimestre de 2025, segundo a Pnad Contínua do IBGE, com queda de 1,2 ponto porcentual em relação ao trimestre anterior. Trata-se do menor índice da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. O número de trabalhadores ocupados também bateu recorde, chegando a 102,3 milhões, assim como o total de empregados com carteira assinada – 39 milhões. Não faltam, porém, alertas para o “perigo” de se ter tanta gente ocupada no Brasil, sob o argumento de que o aumento do consumo poderia levar a um crescimento insustentável da economia. Os estragos sociais causados pelo desemprego passam ao largo desse tipo de análise, desprovida de sensibilidade.

Imaginemos um cenário inverso, com desemprego em alta e queda na atividade econômica. Certamente, os críticos da marcha do Brasil rumo ao pleno emprego estariam a pregar o fracasso do governo Lula, dobrando a aposta em seu enfraquecimento, e até na sua desestabilização.

Em relação ao PIB, o mercado mantém uma espécie de invencibilidade negativa: não acerta uma previsão sequer. Quanto mais puxa para baixo as estimativas de crescimento, mais a economia brasileira mostra sua vitalidade e os surpreende. Vale lembrar que o crescimento de 1,4% no primeiro trimestre deste ano foi o quinto maior do planeta, à frente de EUA, China, Alemanha, França e Reino Unido. Os dados são da insuspeita agência ­Austin Rating, que desfruta do respeito e reconhecimento do próprio mercado.

Sem se dar por vencidos, os profissionais da Faria Lima usam suas bolas de cristal alarmistas para advertir que tamanho avanço do PIB não é sustentável, pois o aumento do consumo pode impactar a taxa de juros, e que uma crise fiscal de trágicas proporções assolará o Brasil, caso o governo não faça o dever de casa de cortar gastos, leia-se tesourar investimentos sociais. A impressão que dá é que uma parte expressiva da elite brasileira sonha com um país capaz de atender às necessidades de, no máximo, 100 milhões de habitantes. A defesa que faz de políticas excludentes reforça essa suspeita.

Argumento de ouro da cantilena neoliberal, o terrorismo em torno da inflação segue como o principal pilar da política de juros altos. Outra vez aqui a realidade é distorcida, escondendo-se que os índices inflacionários estejam mostrando consistente trajetória de queda. Tanto que analistas do mercado consultados pelo Banco Central reduziram recentemente pela décima vez consecutiva a perspectiva de inflação para este ano. Agora a Faria Lima espera 5,07%, enquanto para o governo, ela não passará de 4,9%.

A julgar pelo histórico de prognósticos recentes, a projeção do governo é a que mais se aproxima da realidade. O fato é que a inflação no Brasil está controlada e apresenta, nos três anos de Lula, uma média bem inferior à de governos recentes anteriores. Com a ressalva de que o ­atual presidente do Banco Central, ­Gabriel ­Galípolo, tomou posse com alguns aumentos já contratados da taxa básica de juros, nada justifica que o Brasil siga garroteado pelo segundo maior juro real do mundo.

Descontada a inflação, os nossos 9,76% só ficam atrás da Turquia, com 10,08%. Menos mal que a trajetória de alta tenha sido interrompida na última reunião do Copom, permanecendo em 15% ao ano. Mas será preciso pisar no acelerador da redução, para que o investimento produtivo deixe de ser preterido pela ciranda do mercado financeiro. O Brasil tem urgência na queda significativa da Taxa Selic.

O Brasil ostenta a segunda maior taxa de juros real do mundo, mas isso não incomoda os videntes da Faria Lima

Como a maior parte da mídia aplaude a política de juros altos como instrumento para conter a inflação – no caso do Brasil, mais imaginária do que real –, pouca gente fica sabendo de um efeito colateral grave dos juros estratosféricos, que é o aumento explosivo da dívida pública do País,­ drenando montanhas de recursos para o pagamento de seus juros e serviços.

Mesmo com todo aperto monetário, o Brasil faz uma revolução no setor industrial. O programa Nova Indústria Brasil (NIB) investiu até agora 472,7 bilhões de reais em mais de 168 mil projetos, impulsionando o desenvolvimento regional. No total, o Plano Mais Produção do governo federal, vinculado ao NIB, conta com 611 bilhões de reais para o desenvolvimento industrial em linhas de crédito e recursos não reembolsáveis.

Os focos são inovação, produtividade, sustentabilidade e exportação. O BNDES já destinou 220 bilhões de reais ao programa, enquanto a Finep aportou 51,6 bilhões. A neoindustrialização brasileira em curso, no entanto, ainda não obteve, por parte da mídia, o reconhecimento merecido. A consequência disso é que a sociedade dispõe de poucas informações a respeito dessa virada histórica da indústria do País.

O pessimismo em relação à nossa economia só se justifica pelo viés político, já que são positivos os dados sobre o que mais importa: emprego, renda, consumo, salário e produção. Por óbvio, isso não quer dizer que o Brasil deva se descuidar das contas públicas. Em nenhum de seus governos, o presidente Lula abriu mão da responsabilidade fiscal.

Entretanto, não é possível ignorar que a desigualdade social ainda aflige vastas parcelas da população. Daí a opção de governar para todos, mas priorizando os que mais precisam, colocando os pobres no orçamento e os ricos no Imposto de Renda, um dos principais compromissos de campanha de Lula. O Brasil já saiu do Mapa da Fome da ONU pela segunda vez. Só essa conquista mostra que estamos no rumo certo. •


*Celso Pansera foi ministro da Ciência e Tecnologia, deputado federal e presidente da Finep. Atualmente, preside a Codemar, empresa de desenvolvimento da prefeitura de Maricá (RJ).

Publicado na edição n° 1375 de CartaCapital, em 20 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tempos estranhos’

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