Mundo
Efeito placebo
Suspender a venda de armas do Brasil para Israel é simbólico: o principal item da pauta de exportações é o petróleo


Anunciada pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, a suspensão das exportações de armas e equipamentos militares do Brasil para o governo israelense teve como uma de suas justificativas o compromisso do país com o Tratado Sobre Comércio de Armas (TCA) – acordo firmado em 2013 no âmbito das Nações Unidas, mas jamais ratificado por potências como Estados Unidos, Rússia e Israel, todos líderes da indústria bélica global. A decisão integra um pacote mais amplo, que prevê a adoção de novas formas de fiscalização para coibir a importação de produtos oriundos de assentamentos ilegais em territórios palestinos ocupados, além da criação, pelo Itamaraty, de uma missão diplomática permanente voltada à fiscalização e ao apoio técnico à constituição de um Estado palestino.
A suspensão da venda de armas ao governo de Benjamin Netanyahu segue uma tendência mundial: anúncios semelhantes foram feitos por pelo menos duas dezenas de países nas últimas semanas. A ofensiva diplomática chega, porém, com um imperdoável atraso, após dois anos de bombardeios, seguidos por uma brutal onda de fome, que resultaram na morte de ao menos 61 mil palestinos. No caso específico do Brasil, cabe uma pergunta: a suspensão surtirá algum efeito concreto para o fim do massacre?
Os números disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) revelam que, na categoria “armas e munições”, a relação entre Brasil e o país do Oriente Médio é marcadamente desigual. Coincidentemente, o volume de compras brasileiras vem crescendo desde 2023, ano em que tiveram início as atuais operações militares em Gaza. No ano passado, as aquisições atingiram o montante recorde de 160 milhões de reais, e ultrapassaram 33 milhões apenas no primeiro semestre de 2025. Em 2022 e 2023, o recorde já havia sido sucessivamente batido, com valores próximos de 45 milhões e 80 milhões, respectivamente.
A recíproca é tímida, explica Ronaldo Carmona, professor da Escola Superior de Guerra: “Em termos práticos, a exportação de material militar do Brasil ao governo israelense é insignificante. A soma dos últimos dez anos não chega a 100 milhões de dólares”. A suspensão das vendas, avalia o especialista, representa um passo do Estado brasileiro na condenação ao genocídio dos palestinos em Gaza. Seria mais eficaz, no entanto, adotar uma restrição “no fluxo inverso”, com o fim da compra de sistemas e materiais militares daquele país em setores como aviônica de caças, torres de tiro de blindados, drones de grande porte ou áreas de comando e controle. “Essa dependência é preocupante, sobretudo por se tratar de sistemas operacionais críticos para o uso dessas capacidades militares”, diz Carmona.
Na ação mais contundente até agora para interromper o comércio de armamentos com Israel, o presidente Lula suspendeu, em janeiro, a compra pelo Exército de 36 carros blindados fabricados pela empresa israelense Elbit Systems. Avaliado em 1 bilhão de reais, o contrato tinha assinatura prevista para maio do ano passado, mas o negócio não avançou por intervenção do secretário especial de Relações Internacionais da Presidência, Celso Amorim. Trata-se, no entanto, de um caso isolado.
O comércio de material militar com a nação do Oriente Médio é irrisório, e a balança é a favor de Tel-Aviv
Os negócios entre Brasil e Israel na área militar transcendem o governo federal e se estendem a contratos com administrações estaduais de diferentes orientações políticas. Um exemplo dessa variedade é dado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos. Desde que o bolsonarista assumiu o Palácio dos Bandeirantes, o estado gastou cerca de 40 milhões de reais na aquisição de equipamentos como metralhadoras, fuzis e softwares de monitoramento fornecidos por empresas israelenses. Em julho, o prefeito de Salvador, Bruno Reis, do União Brasil, anunciou a compra de drones e de um software de vigilância desenvolvidos em Israel. “Estamos fazendo a nossa parte para assumir a proteção da população”, justificou, embora esse tipo de aquisição não caiba a um governo municipal.
Governos de esquerda também mantêm negócios com Tel-Aviv no setor de segurança. O governo da Bahia, comandado pelo petista Jerônimo Rodrigues, anunciou no ano passado a compra de 200 fuzis fabricados pela Israel Weapon Industries, ao custo de 2 milhões de reais. A mesma empresa fechou contrato com o Piauí, governado pelo também petista Rafael Fonteles, para a venda de 300 carabinas no valor de 3,7 milhões de reais.
Desde o início da ocupação de Gaza, a relação comercial entre os dois países segue a tendência de superávit israelense já observada no setor de armamentos. Segundo dados do MDIC, em 2023 as exportações de Israel ao Brasil somaram 7,5 bilhões de reais, enquanto as importações ficaram em 3,7 bilhões. Em 2024, as vendas israelenses ao mercado brasileiro atingiram 6,3 bilhões de reais, diante de 4 bilhões em exportações brasileiras. Em 2025, com dados atualizados até junho, o saldo parcial registra 3,5 bilhões em produtos vendidos por Tel-Aviv, contra 1,4 bilhão em remessas do Brasil.
O petróleo foi o principal item da balança comercial brasileira com Israel em 2024. Segundo o MDIC, o produto respondeu por 30% do total exportado ao país do Oriente Médio, somando 216 milhões de dólares. O segundo lugar ficou com a carne bovina, que representou 23% das exportações, com um valor de 65 milhões de dólares.
Presidente da Federação Árabe-Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah elogia as recentes medidas anunciadas pelo governo brasileiro, como a adesão ao processo por genocídio contra o governo israelense na Corte Internacional de Haia, mas afirma que ainda falta impedir a exportação de petróleo brasileiro para Israel. “Essa venda não é realizada pela Petrobras, mas por multinacionais que passaram a ser donas de reservas petrolíferas no Brasil, com a mudança do modelo de partilha para o de concessão.” •
Publicado na edição n° 1375 de CartaCapital, em 20 de agosto de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Efeito placebo’
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