Renato Meirelles

Comunicólogo, presidente do Instituto Locomotiva e fundador do Data Favela, autor de 'Um País Chamado Favela' e 'Como Ser Uma Empresa Antirracista'

Opinião

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Segurança é prioridade

Brasileiros rejeitam proposta de trocar o botijão do gás de cozinha “cheio e lacrado” por sistema de recarga fracionada em pontos de venda

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Foto: Arquivo/Agência Brasil
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Em 94% dos lares brasileiros, a decisão sobre o gás de cozinha começa por uma palavra simples: segurança. Mais que o preço, mais que a marca, mais que qualquer outra variável, o que está em jogo é a certeza de que o botijão não vai colocar vidas em risco. Não é exagero. Quando falamos de gás, falamos de algo que aquece o café da manhã, cozinha o arroz do almoço e, no extremo oposto, pode destruir uma casa inteira em segundos.

Uma pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que a grande maioria dos brasileiros demonstra insegurança diante da proposta da Agência Nacional do Petróleo de permitir o enchimento fracionado de botijões por marcas diferentes da gravada no vasilhame. Na prática, os brasileiros temem trocar o “cheio e lacrado” por um sistema no qual o consumidor leva seu botijão para abastecer quantidades fracionadas em pontos de venda.

O que para alguns pode parecer apenas uma mudança de logística, para a maioria significa desestabilizar a relação de confiança na quantidade e na qualidade compradas, confiança essa que foi construída em décadas de relacionamento com as marcas. Esse é um bom exemplo para desconstruir um mito comum, de que os brasileiros de menor renda só se preocupariam com preço. Embora o orçamento seja apertado, nas classes CDE o ­“custo do erro” também é maior: a compra de um produto de baixa qualidade pode representar um desperdício com conse­quências negativas para as famílias.

Esse raciocínio vale para um saco de feijão de qualidade ruim ou para um sabão em pó que não lava direito: em ambos os casos, as famílias de menor renda preferem recorrer a marcas em que confiam para evitar um produto que não entrega a qualidade que desejam, já que o orçamento pode não ser suficiente para comprar outro pacote de feijão ou outro sabão em pó naquele mês. O mesmo raciocínio vale para um botijão de gás, item de primeira necessidade, em que a confiança de evitar um vazamento, uma explosão ou um produto adulterado valem mais que o próprio preço.

A ideia de encher o botijão de forma fracionada desperta desconfiança imediata. A grande maioria teme adulterações, vazamentos e até explosões. Quando a compra é feita de forma fracionada, perde-se a referência do peso e da vedação. O deslocamento para abastecer também preo­cupa: 86% consideram perigoso circular pela cidade carregando um botijão, de forma improvisada, em ônibus, motos ou carros. Sem o lacre, dizem 87%, nem mesmo seria possível conferir se a recarga foi completa. Para 94%, sem o lacre e a marca responsável, não há a quem recorrer no caso de ocorrerem problemas.

Essa preocupação convive com outra realidade: o peso do gás no orçamento das famílias. O botijão de 13 quilos, que é a medida-padrão, representa um gasto significativo no mês, especialmente em regiões onde o preço é mais alto e a renda, mais baixa. É por isso que 93% dos brasileiros apoiam que o governo subsidie o botijão para quem mais precisa. O programa Gás para Todos, que deve garantir o abastecimento gratuito para 16,6 milhões de beneficiários do Bolsa Família, é visto como uma medida que amplia o acesso sem abrir mão da segurança, exatamente o equilíbrio que a população deseja. Mais que um benefício, é uma forma de garantir dignidade e afastar milhões de brasileiros da chamada pobreza energética, que ainda obriga 15% dos lares a recorrer à lenha ou ao carvão para cozinhar.

A confiança na marca também é parte central dessa equação. Para 97%, ela deve ser responsável por garantir a qualidade do gás, e 94% defendem que o nome da empresa continue gravado no botijão, assegurando a rastreabilidade. Esses elementos não são apenas símbolos, mas mecanismos concretos de proteção que permitem identificar a origem do produto e responsabilizar quem erra. Sem isso, a fiscalização perde força e o consumidor fica vulnerável.

No fim, a pesquisa mostra que o brasileiro sabe fazer contas que vão além do preço final. Para 82%, pagar um pouco mais é preferível a colocar a família em risco. A cozinha é o coração da casa, espaço de comida, conversa e afeto, e transformá-la em ponto de risco por uma economia duvidosa é, no mínimo, um contrassenso. A mensagem é clara: ampliar o acesso, sim, mas sem abrir mão do que realmente importa. •

Publicado na edição n° 1375 de CartaCapital, em 20 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Segurança é prioridade’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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