Marjorie Marona

Professora de Ciência Política da UNIRIO e pesquisadora do QualiGov - Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável.

Opinião

assine e leia

Congresso vs. STF

Reformas no sistema de justiça são bem-vindas, desde que não representem uma mera retaliação ao Judiciário

Congresso vs. STF
Congresso vs. STF
O Congresso não larga o osso. Provavelmente caberá a Fachin, próximo presidente do Supremo, pautar o tema no plenário. Messias vê-se obrigado a defender a liberação de verbas do Parlamento – Imagem: Zeca Ribeiro/Agência Câmara, Marcelo Camargo/Agência Brasil e Ton Molina/STF
Apoie Siga-nos no

As recentes medidas processuais determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes contra Jair Bolsonaro – monitoramento eletrônico, prisão domiciliar, restrição de uso de redes sociais e bloqueio de contatos com autoridades – reacenderam um conflito institucional antigo e profundo entre Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional. O ex-presidente é réu por tentativa de golpe de Estado e outros crimes graves.

No Congresso, a resposta foi rápida. O Centrão acelerou sua própria agenda, enquanto tramita um acordo com o PL para retirar processos relevantes do STF e exigir aval legislativo para determinadas investigações. Não é a primeira vez que decisões da Corte provocam reação legislativa. Em momentos de crise, crescem propostas que, sob o rótulo de “reforma”, assumem contornos de retaliação.

Desde 1988, dezenas de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) buscaram limitar competências do Supremo, alterar sua composição ou impor mandatos, quase sempre ativadas em períodos de tensão entre os Poderes. A questão central não é se reformas são desejáveis – muitas são fundamentais –, mas se nascem como instrumentos legítimos de fortalecimento institucional ou como uma ação reativa ao Judiciário.

Para estruturar esse debate, convém considerar três critérios essenciais: timing, procedimento e conteúdo. A agenda de reforma legislativa costuma emergir nos calcanhares de decisões controversas do STF, como a imposição de medidas cautelares a Bolsonaro, interpretadas por seus aliados como abuso de autoridade. Esse timing sugere mais reação ao impacto político imediato das decisões judiciais do que uma reflexão estruturada sobre limitações institucionais. Ademais, reformas seriamente pensadas exigem diálogo e construção conjunta com a sociedade, não a tramitação acelerada e oportunista no calor da conjuntura.

No caso específico das mudanças no foro privilegiado e nas regras de processamento judicial de parlamentares, há um padrão recorrente: projetos que, até então, dormitam nas gavetas legislativas são subitamente desengavetados e passam a tramitar em regime de urgência, motivados não por uma agenda consistente de aprimoramento da prestação jurisdicional, mas como resposta direta a ações do STF percebidas como excessivas.

Até 2001, processar deputados e senadores no Supremo dependia de autorização prévia da Câmara ou do Senado, conforme o caso. Tratava-se de um filtro político que protegia parlamentares e gerava impunidade. Essa exigência caiu com a Emenda Constitucional nº 35, no contexto de uma expansão institucional que culminaria na Lava Jato. Em 2018, o STF restringiu o foro a crimes cometidos no exercício e em razão do cargo. Essas mudanças – algumas conduzidas pela própria Corte – alteraram o equilíbrio entre as instituições, ampliando a jurisdição penal sobre autoridades.

Mudanças que restringem competências, deslegitimam decisões ou limitam mandatos precisam ser justificadas por benefícios concretos à democracia, não pela frustração momentânea de maiorias parlamentares. Reverter avanços, restaurando filtros políticos ou diluindo o controle judicial sobre autoridades, pode significar retrocesso institucional de alto custo.

Qualquer alteração no processamento de parlamentares deve considerar o sistema de justiça como um todo: Ministério Público, Polícia Federal, imprensa livre e sociedade civil. Reformas apressadas, motivadas por impasses conjunturais, geram insegurança jurídica e instabilidade, reforçando a percepção de que as regras podem ser moldadas para interesses imediatos.

Reformas no sistema de justiça são bem-vindas, desde que não se camuflem de retaliação. As medidas de Alexandre de Moraes, embora juridicamente amparadas, têm efeito político inegável e provocaram reações legislativas previsíveis. É justamente sob tensão que a institucionalidade precisa resistir, evitando que o impulso de revanche substitua o compromisso com o fortalecimento democrático. •

Publicado na edição n° 1375 de CartaCapital, em 20 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Congresso vs. STF’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo