Fora da Faria

Uma coluna de negócios focada na economia real.

Fora da Faria

Quando o barato sai caro para as marcas

O presidente do Assaí alerta para a “inflação invisível” e a redução da qualidade dos produtos, uma aposta que pode afastar consumidores e corroer reputações

Quando o barato sai caro para as marcas
Quando o barato sai caro para as marcas
(Foto: iStock)
Apoie Siga-nos no

Se você nunca entrou em uma unidade de um atacadista cash & carry, tenha certeza de uma coisa: em breve irá. Esse segmento, conhecido por suas lojas sem luxo e focadas em preços competitivos e promoções de marcas e volumes, tornou-se porto seguro para muitos consumidores, ambulantes e pequenos pontos de venda — muitos deles à beira da informalidade e sem acesso a crédito — além de todos que buscam vantagens financeiras.

Em 2024, o mercado atacadista distribuidor faturou 443,4 bilhões de reais, segundo o Ranking ABAD NielsenIQ 2025. Dentro desse universo, as maiores redes se destacam com cifras bilionárias: o Atacadão lidera, com 379 lojas e R$ 86 bilhões faturados; o Assaí ocupa a segunda posição, com R$ 80,57 bilhões e 302 unidades.

Nos atacarejos — fusão de atacado e varejo — convivem marcas pouco conhecidas e líderes nacionais. As menores entram na guerra de preços; as maiores atraem o consumidor com embalagens maiores e promoções por quantidade. O presidente do Assaí, Belmiro Gomes, chamou atenção, em recente conferência de resultados, para um dado preocupante: segundo ele, a indústria iniciou um movimento de reduzir o tamanho das embalagens sem baixar proporcionalmente os preços para o varejo — e, consequentemente, para o consumidor. Esse fenômeno, que ele batizou de “inflação invisível”, agora estaria evoluindo para algo ainda mais grave: a redução da qualidade dos produtos.

Reduzir a qualidade é um dos maiores erros que uma empresa pode cometer. É compreensível que surjam momentos de pressão e necessidades pontuais. Mas qualidade deve ser compromisso. E, mais do que compromisso, deve ser percebida. Se não é percebida, não é qualidade. Por isso, tantas marcas gastam anos construindo, por meio da comunicação, a percepção de qualidade que se transforma em valor para o produto. Quando uma empresa reduz aquilo que o consumidor percebe como qualidade, ela diminui o benefício oferecido — e comete um duplo erro.

O consumidor não é ingênuo. Se quiser fazer um teste, monte uma daquelas barracas de filme, com crianças vendendo limonada, e escreva na placa: “limonada ruim de graça”. Quantas pessoas você acha que vão querer? Preço não é patrimônio. Qualidade percebida, sim. E existe ainda um segundo risco: o raciocínio perverso de que nenhum esforço de marketing será capaz de superar a pressão por preços baixos. Nesse cenário, a empresa acredita que nenhum argumento convencerá o consumidor a pagar mais por um produto, mesmo que seja melhor.

Em tempos de aperto financeiro, o maior perigo é vender menos com preços mais baixos. Se a qualidade cai e isso é percebido, o consumidor rejeitará o produto — por mais que o marketing tente disfarçar. Basta lembrar daquela cerveja que você parou de beber ou daquele chocolate que já não tem o mesmo sabor. No começo, o consumidor ainda insistirá. Mas, cedo ou tarde, abandonará.

Reduzir a qualidade percebida corrói a cultura da empresa, desrespeita a marca e rebaixa o consumidor a um “cidadão de segunda” que não mereceria algo melhor.

O curioso é que essa constatação venha de um representante do atacado, segmento normalmente associado a produtos populares e consumidores de baixa renda. Basta visitar um atacadista hoje para ver que as prateleiras estão repletas das marcas líderes — e liderança não significa preço baixo. Outro exercício revelador é olhar o estacionamento: entre carros populares, há SUVs, importados, elétricos e híbridos. O consumidor de baixa renda não pode errar na compra; o dinheiro custa caro demais. Já a classe média não quer abrir mão dos privilégios de qualidade que tem, mas adora pagar menos por eles.

Quando um presidente de rede como o Assaí alerta para a tendência de queda na qualidade, ele envia um recado claro: “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”. Mais do que qualquer outra empresa, ele tem visão de milhares de fornecedores e sabe muito bem o que acontece com quem pisa em falso em tempos assim.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo