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Em um ano, Brasil registra 70 casos de violações de liberdade de expressão

Denúncias da campanha Calar Jamais! vão de repressão a protestos e desmonte da comunicação pública à censura de comunicadores, artistas e internautas

Em um ano, Brasil registra 70 casos de violações de liberdade de expressão
Em um ano, Brasil registra 70 casos de violações de liberdade de expressão
Repressão policial em novembro, em Brasília
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Por Bia Barbosa e Ramênia Vieira*

Como lembra o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), golpes não convivem bem com a diversidade e a pluralidade, e precisam calar as vozes dissonantes para se cristalizar. No último ano, milhares delas foram sistematicamente silenciadas no Brasil. É o que revela o relatório “Calar Jamais! – Um ano de denúncias contra violações à liberdade de expressão”, lançado nesta terça-feira 17 pelo FNDC em Salvador. A atividade integrou a programação da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, que acontece até 21 de outubro, em todo o País.

Resultado da campanha que leva o mesmo nome, iniciada em outubro de 2016 pelo Fórum, o relatório descreve cerca 70 casos, organizados em sete categorias: 1) Violações contra jornalistas, comunicadores sociais e meios de comunicação; 2) Censura a manifestações artísticas; 3) Cerceamento a servidores públicos; 4) Repressão a protestos, manifestações, movimentos sociais e organizações políticas; 5) Repressão e censura nas escolas; 6) Censura nas redes sociais; e 7) Desmonte da comunicação pública.

O conjunto das violações comprova que práticas de cerceamento à liberdade de expressão que já ocorriam no Brasil – por exemplo, em episódios constantes de violência a comunicadores e repressão às rádios comunitárias –, encontraram um ambiente propício para se multiplicar após a chegada de Michel Temer ao poder e a multiplicação de protestos contra as medidas adotadas pelo Governo federal e pelo Congresso Nacional.

calarjamais_relatorio.png São histórias de repressão que se capilarizaram em todas as regiões, em cidades grandes e pequenas, praticados pelos mais diferentes atores. Além das tradicionais forças de segurança e de governos e parlamentares, o autoritarismo da censura tem chegado a direções de escolas e até a pessoas comuns, que tem feito uso do Poder Judiciário para calar aqueles de quem discordam. Assim, manifestações de intolerância religiosa, política e cultural, fruto do avanço conservador no país e de um discurso do ódio reproduzido há muito tempo e de maneira sistemática pelos meios de comunicação hegemônicos, têm se espraiado.

Como lembra a apresentação do relatório, casos como o do jovem pernambucano Edvaldo Alves, morto em decorrência de um tiro de bala de borracha enquanto protestava justamente contra a violência, ou do estudante universitário Mateus Ferreira da Silva, que teve traumatismo craniano após ser atingido com um golpe na cabeça durante manifestação em Goiânia, deixaram de ser raridade. A publicação também traz o registro da invasão da Escola Florestan Fernandes, do MST, pela polícia; da condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães; e do flerte de Temer com a suspensão dos direitos constitucionais, por meio do decreto presidencial de 24 de maio passado, que declarou Estado de Defesa e autorizou a ação das Forças Armadas para garantir a “ordem” no país.

Na avaliação da coordenação geral do FNDC, desde o lançamento da campanha Calar Jamais!, o que se registrou foi assustador. “Denúncias chegavam constantemente, e cada vez mais diversificadas. Não era apenas a quantidade de casos que alarmava, mas os diferentes tipos de violações, que se sucediam progressivamente, de forma cada vez mais graves”, afirma a entidade.

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O mais preocupante é que os casos sistematizados pelo Fórum relatam apenas as denúncias que chegaram até à campanha. Pelo quadro pintado, dezenas de outros episódios certamente ocorreram e não alcançaram qualquer repercussão no país. Outros seguem em curso, como projetos de lei para proibir manifestações artísticas ou casos de estudantes que ainda respondem a processos por terem ocupado escolas contra a PEC 55. Também segue o desmonte da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), onde os registros de assédio moral e censura contra jornalistas e radialistas, praticados pela direção nomeada por Temer, são quase diários. Tudo diante da omissão ou conivência de quem deveria defender a liberdade de expressão no país.

Lançamento do Relatório Calar Jamais em Salvador Lançamento do Relatório Calar Jamais nesta terça-feira, 17, em SalvadorA comunicação é um direito de todos e todas. A liberdade de expressão é condição indispensável para a garantia da democracia e, sendo assim, é um direito humano indispensável, como defende a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.

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Justamente para dar à luta pela democratização da comunicação a dimensão e a visibilidade que deve ter na sociedade brasileira, desde 2003 tem sido articulada a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação. A iniciativa busca unificar esforços de vários setores da sociedade – estudantes, profissionais, sindicatos, organizações culturais, entidades, etc. – e fortalecer a luta por mudanças estruturais que sejam capazes de dar um novo sentido aos meios de comunicação no País.

A Semana Nacional pela Democratização da Comunicação 2017, que começou no dia 15 e segue até o dia 21 de outubro, contará com a articulação de todos esses setores da sociedade civil na realização de debates, seminários, atos, atividades políticas e culturais em diversos estados de todo país, com ênfase na denúncia de violações à liberdade de expressão em curso no Brasil.

As entidades que integram o FNDC definiram esse tema com base na atual conjuntura, de repressão a protestos e manifestantes, censura privada ou judicial de conteúdos na internet e na mídia, decisões judiciais e medidas administrativas contra manifestações artísticas e culturais, aumento da violência contra comunicadores, desmonte da comunicação pública, cerceamento de vozes dissonantes na imprensa, além de várias outras iniciativas que contribuem para calar a diversidade de ideias, opiniões e pensamentos em nosso país.

Esse tema vem sendo trabalhado pelo Fórum na campanha “Calar Jamais!” desde outubro do ano passado, quando a mesma foi lançada para chamar atenção à escalada de violações de direitos dos cidadãos. A campanha conta com uma plataforma online que recebe denúncias de violações à liberdade de expressão.

Além do lançamento do relatório, a Semana Nacional pela Democratização da Comunicação contará com atividades em diferentes estados sobre comunicação pública, o papel da mídia na atual crise política, regulação democrática dos meios de comunicação, acesso, privacidade e liberdade de expressão na internet, entre outros temas.

A programação completa da Semana está disponível em www.fndc.org.br.

* Bia Barbosa integra a Coordenação do Intervozes e é secretária geral do FNDC. Ramênia Vieira integra o Conselho Diretor do Intervozes e é editora do Observatório do Direito à Comunicação.

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