Paulo Artaxo

Cientistas e pesquisador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da USP.

Opinião

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Veta tudo, Lula!

O “PL da Devastação” não apenas desfigura as regras de licenciamento ambiental, mas também afronta a Constituição

Veta tudo, Lula!
Veta tudo, Lula!
O presidente Lula, o cacique Kayapó Raoni Metuktire e a ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Proteção da floresta e dos povos originários está em jogo com o PL que muda o licenciamento ambiental. Foto: Ricardo Stuckert/PR
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Recentemente, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que altera profundamente a legislação de licenciamento ambiental. O processo de licenciamento é de extrema relevância para o Brasil, e constitui um instrumento central na Política Nacional do Meio Ambiente. Esta, por sua vez, tem como objetivo a preservação, melhora e recuperação da qualidade ambiental. Também contempla os direitos fundamentais das populações impactadas por empreendimentos, incluindo indígenas, quilombolas e outros povos ou comunidades tradicionais. A própria Constituição Federal, em seu artigo 225, assegura que todos têm “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.

O PL 2.159/2021 representa, porém, uma grave ameaça a essa garantia. Não por acaso, ficou conhecido como “PL da Devastação”, e há uma intensa mobilização popular para que o presidente Lula vete o texto aprovado. Sob o pretexto de “acelerar” ou “simplificar” o licenciamento ambiental, a proposta desmonta grande parte dos mecanismos que protegem a população e os ecossistemas, além de desempenhar um papel essencial na prevenção de desastres em todo o território nacional. Um dos pontos mais polêmicos é a criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), instrumento que isenta empreendimentos classificados como de “baixo impacto” da análise prévia por parte dos órgãos competentes, bastando apenas o preenchimento de um formulário online. Trata-se, na prática, de um modelo de autolicenciamento que dispensa qualquer avaliação técnica ou científica sobre seus riscos.

Não há dúvida de que toda legislação precisa de revisões periódicas para se ajustar às novas realidades socioeconômicas, isso é indiscutível. No entanto, o que se observa no Congresso é a reprodução de um processo de desmonte da legislação ambiental em curso nos EUA, onde todo um arcabouço de proteção da sociedade vem sendo sumariamente destruído. Tudo isso em favor de atividades econômicas que buscam o lucro máximo no menor tempo possível, independentemente dos danos sociais, econômicos ou ambientais causados.

Os efeitos do “PL da Devastação” serão desastrosos: insegurança jurídica, proliferação de normas divergentes entre estados e municípios, aumento da judicialização, poluição, impactos negativos à saúde, degradação ambiental, elevação do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa, perda de biodiversidade e aprofundamento das injustiças sociais.

O PL também traz implicações relevantes no aumento das emissões de gases de efeito estufa. Diversos projetos de usinas termelétricas, terminais de gás natural liquefeito, polos de gás e dutos de transporte poderão deixar de passar por análises técnicas aprofundadas sobre seus impactos. Soma-se a isso a delicada questão da exploração de petróleo na foz do Amazonas e na Margem Equatorial. Esses empreendimentos de grande porte seriam analisados por uma comissão governamental, na qual o fator político pode sobrepor-se aos riscos.

Na área florestal, o PL favorece o desmatamento e coloca em risco um terço das Terras Indígenas e cerca de 80% dos territórios quilombolas, segundo nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA). Isso porque o texto exclui do processo de licenciamento ambiental áreas que ainda não foram homologadas ou tituladas. O agronegócio foi contemplado: as atividades agrossilvipastoris deixaram de estar sujeitas ao licenciamento. Soma-se a isso também a questão da gestão da água, outro ponto crítico que tende a intensificar os conflitos no campo.

No setor de mineração, o cenário, que já é grave – como evidenciam as tragédias de Brumadinho, Mariana e outros casos similares –, pode tornar-se ainda mais perigoso. Atualmente, cerca de 300 mineradoras estão em fase avançada de planejamento, concessão ou licenciamento para exploração. Se o PL for sancionado, aproximadamente 85% dos processos de licenciamento de barragens de rejeitos poderão ser submetidos a um sistema de autodeclaração por parte dos próprios empreendedores, sem a exigência de análises técnicas.

Em resumo, temos um Congresso que legisla não com o propósito de proteger a população dos riscos ambientais decorrentes de atividades econômicas, como deveria ser seu papel, mas sim em favor de empreendimentos que exploram e degradam o meio ambiente sem limites, desconsiderando os interesses coletivos. É fundamental relembrar que o artigo 225 da Constituição assegura a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ao aprovar esse projeto, o Congresso coloca-se em oposição a esse princípio constitucional e, consequentemente, a direitos fundamentais da sociedade. •

Publicado na edição n° 1374 de CartaCapital, em 13 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Veta tudo, Lula!’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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