Economia
Interesse final de Trump é econômico e Brasil deve seguir negociando, diz ex-embaixador nos EUA
Para Rubens Barbosa, o País deve buscar uma redução tarifária geral a 15% e ativar um plano emergencial para exportadores


O ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa admite ter uma opinião minoritária sobre a motivação do tarifaço contra o Brasil. Há um componente político, afirma, mas o ponto central é comercial — e é neste aspecto que o Brasil deve agir para seguir mitigando os efeitos da ofensiva de Donald Trump.
A lista de exceções à tarifa de 50%, formada por quase 700 itens, engloba algo em torno de 43,4% do total de 42,3 bilhões de dólares exportados pelo Brasil aos Estados Unidos em 2024, segundo dados preliminares da Câmara de Comércio para o Brasil, a Amcham. O governo Lula (PT) tem, a partir de agora, o desafio de mitigar os efeitos sobre produtos não contemplados — café e carnes, por exemplo.
Na ordem executiva assinada na quarta-feira 30 para confirmar a aplicação da sobretaxa, Trump reforçou suas críticas difusas ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por liderar uma tentativa de golpe de Estado. O magnata finge não saber que o processo independe do governo federal.
“O componente político é importante e tem consequências por causa da visão ideológica do governo americano, mas não é determinante para a negociação comercial”, diz Barbosa em entrevista a CartaCapital. As negociações de China e Vietnã com a Casa Branca, acrescenta, demonstram ser possível deixar obstáculos políticos em segundo plano.
“O Brasil não é um caso único em relação a essa questão do ataque à soberania. O mundo inteiro sofre esse tipo de ação”, aponta. Um dos exemplos é a Rússia: Trump fixou na última terça-feira 29 um prazo de dez dias para Vladimir Putin encerrar a guerra na Ucrânia, sob o risco de Washington aplicar “tarifas severas” de 100% sobre Moscou. “É uma ingerência interna em um assunto de outro país”, resume.
Confira os destaques da entrevista:
CartaCapital: Qual o saldo da concretização do tarifaço, com quase 700 isenções?
Rubens Barbosa: A figura do presidente Trump explica tudo: ultraconservador, um ego muito forte, tudo depende dele. Não é um problema contra o Brasil, mas contra o mundo. Os Estados Unidos impõem pela força uma mudança global. Quem não entender isso, não entenderá o que acontece com o Brasil.
Nós, por uma série de circunstâncias que interessam aos americanos, fomos beneficiados com essa mudança na punição tarifária. Mas o impacto dessas medidas afeta a União Europeia, que é uma potência global, a China, o segundo país mais importante do mundo, o Japão…
No nosso caso, a tarifa era de 50%, mas para algo entre 40% e 45% das nossas exportações para os Estados Unidos, as tarifas foram rebaixadas para 10%. Agora, os outros 50% a 55% continuam afetados por 50% de tarifa, o que inviabiliza o comércio com os Estados Unidos.
CC: O que fazer para mudar isso?
RB: O governo brasileiro tem de continuar a negociar a redução dessa tarifa para 15% ou 20% — a tarifa global que Trump decidiu colocar —, para minimizar o custo sobre o setor privado brasileiro, o industrial e o agro. Internamente, temos de definir um programa emergencial para apoiar essas empresas afetadas.
Temos de ter bem claro que essa tarifa de 50% teve componentes políticos, como outros países tiveram. Como você explica que a União Europeia tenha uma tarifa de 15%, quando tinha zero? A explicação é política. Trump disse que a UE foi criada para prejudicar a vida da economia americana. Para cada país ele teve uma explicação política.
Mas a motivação última dele é econômica, comercial. No caso do Brasil, se a motivação fosse apenas política, como é o consenso aqui, não teria havido essa lista de exceções. Ele teria aplicado 50% e ponto final.
Então, é claro que houve uma motivação política e ideológica para os 50%. Agora, a exceção não teve motivação política favorável, mas interesse americano de evitar inflação e a perda competitiva de empresas importantes.
Lula e Donald Trump. Fotos: Ricardo Stuckert/PR e Jim Watson/AFP
CC: No caso do Brasil, o aspecto político envolve o julgamento da tentativa de golpe. Há diálogo possível com os EUA nessa seara?
RB: O fator político não é determinante, na minha visão. Sou uma voz discordante.
Não minimizo o que está acontecendo nos Estados Unidos e o papel do Eduardo [Bolsonaro]. Estamos lidando com um presidente americano de extrema-direita. Não é um presidente neutro ou do Partido Democrata. O ministro do Exterior [o secretário de Estado, Marco Rubio] é um senador conservador da extrema-direita. Então, esse componente ideológico existe. Agora, isso não impede de negociar. O Vietnã e a China, dois países comunistas, estão negociando com os Estados Unidos.
O componente político é importante, tem consequências por causa causa da visão ideológica do governo americano, mas não é determinante para a negociação comercial.
Se você ler a carta de 9 de julho — que foi rechaçada pelo governo brasileiro corretamente, pela ingerência e pela questão da soberania —, os pontos principais são dois: a questão das big techs e a questão das tarifas.
No final, diz que passaria a vigorar a tarifa de 50%, mas que o governo americano estava disposto a negociar as tarifas. Aqui no Brasil, entendemos que aquilo tinha a ver com a negociação interna. Isso não está em questão, você não negocia soberania. Isso se rechaçou.
A negociação se referia à questão comercial e ainda está em vigência. Então, conseguimos, através de negociações comerciais, da ação das empresas brasileiras nos Estados Unidos e por razões econômicas americanas, essas isenções todas.
Agora, temos de continuar a negociar, não ficar paralisados por questões políticas com reflexos internos no Brasil. Temos de focar na negociação comercial, para reduzir o custo sobre o setor privado brasileiro.
CC: O New York Times disse que Lula desafia Trump. Como o senhor avalia a reação do governo brasileiro desde 9 de julho?
RB: A percepção externa sobre a posição do Brasil é essa que o New York Times refletiu, por causa de declarações isoladas. Mas temos de ter muita objetividade e muito pragmatismo nessa negociação.
Os outros países não têm a posição que a percepção externa vê no Brasil. A China, a União Europeia e o Japão não estão confrontando os Estados Unidos. Não tem um país que esteja confrontando os Estados Unidos. Deve haver alguma razão para isso.
Se a percepção é que o Brasil está confrontando os Estados Unidos, isso pode ter um efeito. Não teve porque, como eu disse, o que motiva a ação americana não é apenas político-ideológica, mas o interesse deles. O minério de ferro, o petróleo e as peças de automóvel afetam as empresas americanas? “Então, vamos tirar”. Não é por causa da posição do Brasil.
Temos de fazer a mesma coisa: defender o interesse brasileiro em primeiro lugar, independentemente da ideologia e do partidarismo. Fazer como alguns países, como a Índia, que não toma partido nem de um lado, nem de outro. A Índia está em guerra com a China, mas está com a China no Brics e em grandes organismos comerciais, ao mesmo tempo em que é parte de uma aliança com os Estados Unidos contra a China no Mar do Sul da China.
Temos de fazer a mesma coisa. O Brasil não pode tomar partido nem a favor nem contra, mas ser a favor do interesse nacional, na defesa contra o impacto negativo que essas medidas têm sobre as empresas brasileiras do agro e da indústria.
CC: A aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes foi uma agressão ao Brasil?
RB: A Colômbia vive a mesma coisa. O presidente da Colômbia sofre medidas restritivas por parte dos Estados Unidos por causa do julgamento do ex-presidente Álvaro Uribe. São medidas inaceitáveis. O governo brasileiro já havia rejeitado isso quando recusou a carta, chamou o encarregado de negócios e disse que isso era inaceitável.
Mas você não pode condicionar a negociação comercial a esse fato. Você recusa isso, é uma questão de soberania, isso é inegociável. Se algum dia cobrarem isso do Brasil, diz que não negociamos e acabou. Mas os americanos querem negociar a tarifa.
É um problema político que, na minha visão, não tem a ver com a negociação comercial. Aqui no Brasil misturamos as duas coisas, mas não interessa ao País misturá-las.
O presidente Lula soltou uma nota muito dura, forte e correta contra essa medida, se solidarizando com o ministro. O Supremo também soltou uma nota. Há meios jurídicos para se opor a isso, mas esse é outro problema.
Não devemos interromper a negociação comercial por causa desse atentado à soberania, porque isso é contra o nosso interesse.
Trump, quando diz que Putin tem de acabar a guerra em dez dias senão ele vai aplicar 100% de tarifa, faz o quê? Uma ingerência interna em um assunto de outro país. O mundo inteiro sofre esse tipo de ação americana.
CC: O Brasil, então, não deve aplicar medidas de reciprocidade aos Estados Unidos?
RB: Essa lei tem de ser aplicada pragmaticamente em áreas que não prejudiquem o interesse brasileiro. Uma retaliação tarifária, por exemplo, é um tiro no pé do Brasil.
Se tomar certas medidas que têm sido mencionadas, haverá repercussão contra o Brasil, porque vivemos em um mundo diferente: sob a lei da selva, a lei do mais forte. Temos de levar isso em consideração e defender políticas que preservem o nosso interesse neste momento.
O mundo é outro. Não podemos raciocinar nos termos anteriores à eleição de Trump. Então, a lei de retaliação tem de ser examinada e discutida com o setor privado antes de ser implementada. Se for implementada, tem de tomar cuidado para que não sejam medidas que revertam contra o interesse brasileiro.
Na carta de 9 de julho, diz-se que o que o Brasil retaliar aos Estados Unidos será aplicado contra o Brasil. Não será uma surpresa se houver outra retaliação, está na carta. Então, na defesa do interesse brasileiro, temos de tomar cuidado.
Veja o que acontece com a União Europeia. O primeiro-ministro da Alemanha e o primeiro-ministro da França acham que houve concessão demasiada. Houve concessão demasiada para fechar um acordo. Se não se fizesse concessões como a UE fez, a tarifa seria de 25%. Eles conseguiram 15%. Rebaixaram tremendamente a tarifa. Temos de atuar também pragmaticamente na defesa do interesse brasileiro.
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