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Pedra no sapato

Por que o Pix incomoda tanto as big techs e os bancos dos EUA

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O governo lançou campanha publicitária em defesa do meio de pagamento que se tornou um sucesso absoluto no mercado brasileiro – Imagem: Redes Sociais/Partido dos Trabalhadores
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Wall Street e o Vale do Silício se uniram para combater o Pix, do Brasil, e o Infraestruturas Públicas Digitais (DPI), da Índia, por apontarem um caminho de soberania ante o domínio global, pelos big banks e pelas big techs, das transações financeiras e de interações entre indivíduos e empresas. “Não há uma aceitação de que países como o Brasil busquem proteger o seu sistema de dados e fazer coisas como o Pix”, sublinha ­Edemilson Paraná, professor de Economia Política na LUT University, da Finlândia. O presidente dos Estados Unidos agora “escancarou que o mecanismo de pagamentos brasileiro é uma pedra no sapato” do plano expansionista das empresas globais privadas para a coordenação digitalizada do sistema financeiro e das decisões financeiras globais. É como se dissesse: não queremos isso. O domínio é para ser da Visa e da Mastercard, com as big techs e os grandes bancos por trás.

As alíquotas de importação para Brasil e Índia são consideradas por muitos como uma retaliação a afirmações de independência. Na terça-feira 29, Trump anunciou a tarifa de 25% sobre importações indianas e multa pela aquisição de petróleo da Rússia. No dia seguinte, confirmou a taxação sobre os produtores brasileiros, mas abriu várias exceções.

Na segunda reunião com o vice-presidente e ministro da Indústria, ­Comércio e Desenvolvimento, ­Geraldo ­Alckmin, representantes das empresas Meta, ­Google, Amazon, Apple, Visa, ­Mastercard e Expedia externaram o interesse em flexibilizar a regulamentação iniciada pelo STF. A reunião contou com a participação de um representante do Departamento de Comércio dos EUA.

O governo brasileiro mostra disposição para negociar, mas sem abrir mão da soberania do País, conforme a orientação do presidente Lula. “Há um incômodo com o Pix, com o fato de ele ser um instrumento do Estado brasileiro. É como se houvesse uma presunção de que deveria ser privado, deveria gerar lucro, algum rendimento para alguém. Não está na nossa ordem de considerações privatizar o Pix. … Ele barateia as transações financeiras e estimula a bancarização e a transparência. É um expediente do qual não pretendemos abrir mão”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O Facebook, controlado pela ­Meta, tentou, entre 2017 e 2020, com sua base global de 2,5 bilhões de usuários, lançar a criptomoeda digital Libra, um ataque direto à soberania monetária dos EUA. O projeto de Mark Zuckerberg, magnata do Vale do Silício, foi abatido no nascedouro pelo Estado norte-americano, pelas organizações financeiras globais multilaterais e pelo lobby da grande finança de Wall Street. “O argumento fundamental de Zuckerberg, em defesa da sua moeda, no Congresso norte-americano, foi que a China iria fazer a moeda digital dela e os Estados Unidos ficariam para trás. Derrubaram o projeto, mas o Estado norte-americano não fez, porque os grandes bancos de lá não deixaram”, ressalta Paraná. No Brasil, as instituições financeiras tiveram interesse em participar do Pix por uma questão de sobrevivência diante dos sucessivos gargalos que as big techs e os grandes bancos dos EUA, ligados por interesses recíprocos, impõem ao resto do mundo.

Em disputa, o futuro das transações financeiras

Quando Zuckerberg tentou implantar o WhatsApp Pay no Brasil, em 2020, o Cade suspendeu a ferramenta para “avaliar possíveis impactos concorrenciais na parceria entre a Cielo e o Facebook”. Na segunda-feira 28, o conselho divulgou a suspensão da medida e o arquivamento do processo. O Pix, entretanto, cresceu sem parar. “O Facebook nunca engoliu muito bem essa ação”, ressalta o professor. Também não digeriu o DPI, da Índia.

Segundo Manfred Back, professor de Economia e ex-trader de renda variável, o ataque ao Pix “é um reconhecimento da nossa eficiência, que cria um certo temor”. Ao mesmo tempo, acrescenta, os EUA aprovaram uma lei que impede o Federal Reserve de desenvolver uma moeda digital, em uma demonstração de fragilidade e “um retorno ao século XX”. O objetivo é fazer com que empresas privadas se aliem aos bancos norte-americanos na opção de realizar pagamentos domésticos e internacionais utilizando o USDC, uma criptomoeda projetada para manter paridade, de um para um com o dólar, lastreada por títulos do Tesouro dos EUA de curto prazo e dinheiro em caixa. “A Fidelity ­National Information Services está integrando o token ao seu hub de movimentação de dinheiro, um serviço criado para permitir que instituições financeiras se conectem a diversas redes de pagamento. A expectativa é de que o serviço esteja disponível antes do fim do ano”, detalha. “Sempre acreditei que o Pix é um grande laboratório para a moeda digital criptografada brasileira. A pressão talvez seja mais um pano de fundo para dizer que, se a gente vier com uma moeda digital, vai ter sanção.”

O consultor financeiro Wesley Silveira acredita que “tem muita coisa envolvida” no ataque. “É muito mais para ter poder de barganha na geopolítica que estão desenvolvendo.” A enorme aceitação é a principal força dessa ferramenta. “O número de transações via Pix é espantoso, menos de 6% das compras são feitas com pagamento em dinheiro, em espécie. A partir do momento em que surgiu o Pix, os brasileiros viram que não precisavam mais carregar uma bolada de notas para pagar as próprias contas. A maior facilidade para obter cartão de crédito é relativamente recente”, sublinha.

Além disso, prossegue o consultor, é um instrumento muito barato, principalmente para as empresas, e foi construído a partir de uma tecnologia de grande simplicidade. “Inúmeros produtos são vendidos com desconto se o cliente pagar no Pix, portanto, fica mais caro se for comprar no cartão. É uma opção de pagamento que concorre diretamente com as empresas de cartão norte-americanas. E aí, na guerra de retaliação, cada um vende a sua própria história.”  •

Publicado na edição n° 1373 de CartaCapital, em 06 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Pedra no sapato’

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