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O minério é nosso

Lula reage à cobiça dos EUA pelas gigantescas, e ainda pouco exploradas, reservas brasileiras de minerais críticos

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Silveira defende uma política mineral alinhada aos compromissos de descarbonização e soberania nacional. Jungmann aponta gargalos para a expansão do setor no País – Imagem: Acervo/Ibram, Tauan Alencar/MME e Leo Lara/CBMM
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Nas três semanas entre o anúncio do tarifaço geral de 50% sobre produtos brasileiros e o início da cobrança, o governo de Donald Trump ignorou diversas tentativas oficiais do Brasil para estabelecer uma mesa de diálogo. Escolheu, porém, uma entidade patronal que reúne as empresas responsáveis por 85% da produção brasileira de minérios para passar um recado ao governo Lula. Segundo dirigentes do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o encarregado de negócios da embaixada dos EUA em Brasília, Gabriel Escobar, avisou que seu ­país “tem grande interesse” em incluir na discussão tarifária possíveis acordos sobre o acesso às reservas brasileiras dos chamados Minerais Críticos e Estratégicos (MCEs), fundamentais para o atual estágio de desenvolvimento das indústrias bélica, siderúrgica, de mobilidade elétrica e de Tecnologia da Informação.

Na ausência de um embaixador designado, Escobar é o mais alto funcionário do governo dos EUA no Brasil. O interesse que revelou nessa parte do subsolo nacional não surpreende, dada a disposição de Trump de ganhar terreno em uma corrida geopolítica na qual os norte-americanos estão várias casas atrás da China, país que hoje domina as etapas de produção e beneficiamento de MCEs. Ainda engatinhando na busca pelo domínio tecnológico das cadeias produtivas que dependem desses minérios, o Brasil possui, contudo, algumas das maiores reservas mundiais de nióbio (1º lugar), grafite (2º), terras-raras (2º), níquel (3º), lítio (6º) e cobalto (9º), entre outros.

O atual contexto econômico e geopolítico deixa o País vulnerável a pressões e assédios no embate entre EUA e China, e o governo brasileiro corre para lançar, até o fim do ano, sua Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos. Em fase final de elaboração no Ministério de Minas e Energia, e com um projeto de lei em tramitação na Câmara, a nova política tem como pilares o mapea­mento geológico completo das jazidas nacionais, a ampliação da produção e a criação de uma cadeia tecnológica para a transformação desses minérios. “A expectativa do governo é apresentar o texto ainda em 2025. Será um passo decisivo para enfrentar desafios globais como a transição energética, a segurança alimentar e a redução da dependência de cadeias produtivas internacionais em setores estratégicos”, afirma o ministro Alexandre Silveira.

O governo corre contra o tempo para lançar uma política nacional e estruturar sua cadeia produtiva

O objetivo, acrescenta o ministro, é impulsionar a transição energética e consolidar o Brasil como um dos principais fornecedores globais de insumos essenciais às tecnologias de baixo carbono. “Trata-se de um instrumento estratégico que permitirá impulsionar o setor mineral por meio de diretrizes claras, previsibilidade regulatória e estímulos ao desenvolvimento da cadeia produtiva nacional”, explica. Segundo Silveira, ao alinhar a política mineral aos compromissos de descarbonização e soberania industrial, o Brasil posiciona-se “não apenas como exportador de recursos naturais, mas também como protagonista na construção de soluções para a transição energética global”.

O problema é que, por ora, esse protagonismo não está garantido. “Falta ao Brasil uma política ousada e coordenada que considere os MCEs como um fator de alavancagem para os interesses nacionais, a começar pelo desafio da reindustrialização do País”, avalia Ronaldo Carmona, professor da Escola Superior de Guerra. Para o especialista, o Brasil precisa adotar uma política de regulação e controle de exportações no fluxo de MCEs, a exemplo da China. “No atual­ cenário mundial, essa disputa não é apenas uma questão de mercado. Devemos deixar de lado uma ingenuidade neoliberal no trato dessa questão estratégica. Trata-se de um fator de segurança nacional.”

Em relação ao interesse dos EUA, ­Carmona aconselha precaução ao governo. “Se ocorrerem, as licenças para exploração de MCEs precisarão estar vinculadas à introdução de tecnologias, com capacidade de refino e agregação de valor. A exportação deverá estar submetida a licenças vinculadas a um trade-off não necessariamente monetário, mas sim para alavancar os interesses tecnológicos e industriais do Brasil.” Contudo, alerta o professor, isso só ocorrerá no âmbito da definição de uma “grande estratégia de País” que inclua o manejo de recursos minerais, energéticos, agroalimentares e da biodiversidade para atingir objetivos nacionais. “Algo parecido com o que já fizemos, por exemplo, na manobra de Getúlio Vargas que resultou na atração da CSN em plena Segunda Guerra Mundial”, lembra.

A indústria de chips e semicondutores é altamente dependente de insumos como silício e terras-raras. A expansão da atividade minerária no País preocupa ambientalistas e povos indígenas – Imagem: iStockphoto e Redes Sociais Ibama/PF

Para o presidente do Ibram, o ex-ministro Raul Jungmann, o Brasil carece de uma política pública abrangente sobre a produção e beneficiamento dos minerais críticos. Segundo Jungmann, “a iniciativa privada apresentou uma proposta densa sobre essa questão e a Câmara formulou um Projeto de Lei. Espera-se que o governo federal também apresente sua proposta para que o debate possa fluir e o País venha a contar com uma política robusta em breve”. Relator na Câmara da proposta que cria a política nacional, o deputado federal Arnaldo Jardim, do Cidadania, diz que apresentará seu parecer na terceira semana de agosto. “Estamos dialogando para construir um consenso.”

Além de estabelecer rumos para o Brasil expandir sua produção mineral, diz Jungmann, essa política deverá debelar gargalos que inibem essa expansão. O ex-ministro cita como exemplo a lacuna da pesquisa geológica, pois apenas 27% do território nacional foi pesquisado em detalhe, além da falta de mecanismos de financiamento adequados. “Há também excesso de impostos e encargos, já que o Brasil cobra altos tributos, na comparação com países concorrentes. A Agência Nacional de Mineração, que cuida da regulação e fiscalização do setor, está fragilizada desde a sua criação, e seu fortalecimento é essencial para uma operação sustentável”, lembra.

Dado o histórico de problemas ambientais causados pela mineração e o apetite de parte das empresas do setor por Territórios Indígenas ou demarcados como áreas de preservação, a sustentabilidade da produção de MCEs também não está garantida. “É incompatível a expansão de minerais críticos em áreas sensíveis como Terras Indígenas, quilombolas, assentamentos rurais e unidades de conservação. O Brasil não tem como expandir essa produção de maneira viável, se quiser respeitar o meio ambiente”, explica Maurício Angelo, coordenador do Observatório da Mineração. O ambientalista concorda que há áreas possíveis de ser exploradas, mas diz que conciliar mineração e preservação tem sido um grande desafio nas últimas décadas. “Os fatos mostram que o meio ambiente vem perdendo muito nessa disputa. É preciso mudar muita coisa, para que haja uma conciliação razoável entre aumentar a produção de minerais e seguir no cumprimento das metas climáticas brasileiras.”

O BNDES e a Finep reservaram 5 bilhões de reais para financiar estudos sobre os minerais críticos

Angelo afirma que o texto em discussão no Congresso para a criação da Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos é uma articulação entre a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável e o Ministério de Minas e Energia, que tem como objetivo aumentar ainda mais os subsídios fiscais e incentivos para o setor no País: “Essa frente foi criada e é apoiada em todos os sentidos pelo Ibram, que representa as mineradoras, para expandir a produção”. Ele ressalta que o ­BNDES, “que já financiou mais de 20 bilhões de reais nos últimos 20 anos”, tem retomado os investimentos em MCEs.

Em junho, o banco de desenvolvimento e a Finep, agência de fomento do Ministério da Ciência e Tecnologia, anunciaram, conjuntamente, 56 projetos relativos à produção de MCEs que estão ­aptos a receber investimentos de 5 bilhões de reais. Boa parte dos projetos aprovados (24) é destinada à produção de terras-raras, lítio e grafite, mas há também recursos disponibilizados para a extração e beneficiamento de silício, níquel, titânio, cobre e platina. “A transição para uma economia de baixo carbono e a guerra comercial de Trump colocam para o Brasil uma grande oportunidade. China, EUA, União Europeia e Japão não querem ficar dependentes uns dos outros e enxergam o Brasil como um player estratégico na agenda de minerais críticos”, diz José Luís Gordon, diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES.

De acordo com a política em gestação no Ministério de Minas e Energia, a produção de minerais críticos será integrada ao processo de reindustrialização do País almejado pelo governo. “Ao integrar mineração, transformação industrial, inovação e parcerias internacionais, essa política ampliará o papel estratégico do Brasil no cenário global e assegurará que a transição energética também seja uma oportunidade concreta de desenvolvimento econômico e social para o País, sempre com base em critérios de sustentabilidade e inclusão”, explica o ministro Alexandre Silveira.


Após Gabriel Escobar manifestar o interesse dos EUA nos MCEs brasileiros, Jungmann afirma ter respondido ao encarregado de negócios norte-americano que qualquer decisão cabe ao governo federal. Ao mesmo tempo, o representante das empresas lembra que a legislação atual não prevê a comercialização de minerais estratégicos entre governos, mas permite a participação de empresas dos EUA ou de qualquer outro país no Brasil por meio de joint ventures. “Isso é aberto para todos, mas a nossa percepção é de que as empresas norte-americanas gostariam de discutir esse tema.”

Até o fechamento desta edição, a discussão sobre o acesso aos MCEs do Brasil ainda não foi oficialmente colocada na mesa pelo governo Trump. A proposta de Escobar foi levada por Jungmann ao vice-presidente Geraldo Alckmin, que é também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e foi designado por Lula como responsável das negociações de tarifas com Washington e com os empresários dos EUA. Já o presidente Lula promete jogar duro. “Nós temos que proteger todos os minerais ricos que vocês querem. Ninguém põe a mão nos minerais do Brasil”, avisou. •

Publicado na edição n° 1373 de CartaCapital, em 06 de agosto de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O minério é nosso’

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