Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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Tempos sinistros

Das brigas entre torcidas à falta de clareza de dirigentes e cartolas, impactando negativamente os times, são muitas as confusões

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Nossa esperança no futebol está mesmo na molecada nova. Falo de jogadores como o Estevão e o João Pedro, que estão no ­Chelsea­, e o Lamine Yamal, do Barcelona.

E é bom ter um raio de esperança porque os tempos atuais estão “sinistros”, como diz a moçada.

Já comentei algumas vezes sobre os acontecimentos violentos registrados durante aquilo que deveria ser um espetáculo esportivo.

É muita briga de torcedor, sem pé nem cabeça, que não tem nada a ver com o que está rolando dentro de campo.

Lembro de um jogo entre Santos e Botafogo, na Vila Belmiro, faz uns três anos. Teve muito choque, ambulância saindo e torcedores agindo desesperadamente. E essas reações não tinham nenhuma relação com o jogo em si.

As brigas de torcidas estão cada vez mais frequentes e, às vezes, parecem até encomendadas de véspera.

Felizmente, essas não têm acontecido tanto, mas os jogos estão deixando um saldo enorme de lesões graves, casos cirúrgicos sérios e até traumatismos cranianos que exigem tratamento pesado.

Outro dia, até falei sobre um jogo do Campeonato Brasileiro Feminino da Série C, no campo do Olaria, na saudosa Rua Bariri.

Era um time do interior do Rio ­Grande­ do Sul contra um do Rio, com aquele nome simpático, Pérolas Negras. A reportagem da televisão sobre o que aconteceu nesse jogo me deixou horrorizado.

A gente, meio inocente, acreditava que o futebol feminino ia trazer o reencontro do futebol com a arte, mas acabou descambando para a mesma agressividade presente nos jogos masculinos.

E ele também apresenta as mesmas, se não piores, consequências traumáticas de choques violentos.

Nesta semana, a situação quase virou uma ameaça à segurança durante um voo que levava a delegação do Athletico-PR e alguns torcedores que foram acompanhar o time num jogo contra o Volta Redonda pela Série B, quando o Furacão perdeu por 3 a 2. Houve um bate-boca entre jogadores e alguns torcedores exaltados.

Essas situações estão ficando cada vez mais frequentes e exigem reflexões e atitudes em todos os níveis, já que não são problemas simples de ser resolvidos.

A última prova da desilusão com o momento do esporte veio nesta semana. No balcão do aeroporto, o atendente, que já conheço, trocou umas palavras sobre “bola” comigo e sentenciou: “Isso era esporte, agora é só negócio”.

A ganância, sem que a gente perceba, vai minando a emoção que sustenta a paixão do torcedor e, aos poucos, pode afastá-lo dos estádios.

O caso do Pedro, ídolo da torcida do Flamengo, continua dando o que falar.

E aconteceu a melhor coisa que poderia ter acontecido, justamente num Fla-Flu, quando Pedro entrou em campo faltando 20 minutos para o fim e o placar estava zero a zero. Numa jogada de ataque, de maneira heroica, o goleador atirou-se na bola, rente à trave, e fez o gol que deu a vitória ao rubro-negro.

Apesar do alívio, e mesmo depois dessa “lição”, Pedro manteve-se firme. Voltou a reconhecer que não esteve bem em alguns dias e cobrou coerência da diretoria rubro-negra, que, segundo ele, também deveria se explicar.

O técnico, por sua vez, na entrevista, agiu como se nada de anormal tivesse acontecido e como se tivesse feito o papel dele isoladamente, sem sintonia com a diretoria do clube, que, além de tudo, tem “diretores” profissionais.

E isso se não houvesse a reviravolta feliz do jogador, que, insisto em dizer, está cheio de motivação para se firmar, ser titular do time que precisa de um jogador na posição e disputar um lugar na Seleção, que também está carente de um goleador autêntico.

Logo em seguida, surgiu no mesmo Flamengo outro imbróglio, desta vez ainda mais absurdo, com o uruguaio De La Cruz.

Em um grupo de WhatsApp com dirigentes e conselheiros do Flamengo, foi enviada uma mensagem na qual se afirmava que De La Cruz teria uma “lesão crônica e irreparável no joelho direito”, além de outra lesão no joelho esquerdo.

De La Cruz chegou ao Flamengo no fim de 2023, vindo do argentino River Plate, em uma transação de alto valor.

A mensagem pegou muito mal nos bastidores do clube e gerou várias reações. No fim, sobrou para o experiente chefe do departamento médico do clube, depois de mais um desencontro na administração.

E parece que a instabilidade corre o mundo.

O zagueiro Haouchi, que foi negociado com o Al-Nassr, o clube árabe onde estão Cristiano Ronaldo e o treinador Jorge Jesus, foi impedido de entrar no hotel onde o time estava, na Áustria, sob a alegação de que o negócio estava desfeito. Uma loucura! •

Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tempos sinistros’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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