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No lugar certo, na hora certa

Nascido na Argentina, Willy Verdaguer, de 80 anos, atravessou, como baixista, momentos históricos da MPB

No lugar certo, na hora certa
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Desde a década de 1960. O músico ajudou a dar forma ao Secos & Molhados e fundou o Raíces de América – Imagem: Redes Sociais/Willy Verdaguer
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Seria uma noite como outra qualquer no restaurante Beco, em São Paulo. Era agosto de 1967 e o salão, preenchido pelo tilintar dos brindes e pela fumaça de cigarro, estava lotado. O palco recebia uma diversidade de estilos em shows de 20 a 30 minutos: rock, bossa nova, samba, apresentações de mágicos e vedetes.

No camarim, Willy Verdaguer, então com 22 anos, e os Beat Boys aguardavam a vez de tocar quando o garçom se aproximou e disse, com certa discrição, que algumas pessoas queriam conhecê-los.

Eles caminharam até a mesa indicada. “De repente, se levanta um rapaz magrinho, ‘prazer, sou Caetano Veloso’. Depois, o outro diz ‘muito prazer, me chamo Gilberto Gil’. Na sequência, vem uma menina e fala ‘prazer, eu sou a Gal Costa’”, começa a descrever, passadas seis décadas, Willy Verdaguer.

“O Gil falou: ‘Vai ter um festival muito importante e nós queremos revolucionar a música brasileira. Convidei uma banda de rock chamada Os Mutantes para fazer uma música minha, Domingo no Parque, e o Caetano quer vocês para acompanhá-lo em Alegria, Alegria”.

O inesperado encontro abriu caminhos e mudou a vida de Willy, baixista argentino radicado no Brasil há quase 60 anos. Semanas depois daquela noite no Beco, Willy e os compatriotas dos Beat Boys – Tony Osanah, Cacho Valdez, Toyo e Marcelo Frias – subiram ao palco do Teatro Paramount, sede do Festival de Música Popular Brasileira de 1967, e interpretaram a canção, absoluto clássico tropicalista.

No ano seguinte, no mesmo festival, Willy e os Beat Boys arrebentaram com Gal Costa em Divino, Maravilhoso, momento que também passaria a figurar no álbum de memórias da MPB. Esses e outros tantos episódios estão reunidos em Voand’O Baixo, livro que o músico lançou na terça-feira 22, no Bar Brahma, em São Paulo, e que pode ser adquirido pelo seu Instagram (@willy.verdaguer). Nesse dia, ele completou 80 anos.

Desde muito jovem, em Buenos ­Aires, onde nasceu, Willy Verdaguer envolveu-se com a música. Na adolescência, montou a primeira banda, The Bobby Cats; em 1964, aos 19 anos, formou o grupo Los Guantes Negros, com artistas que se tornariam figuras importantes no ­rock argentino, como Billy Bond. Aos Beat Boys, se juntou em meados de 1967, em São Paulo, poucos meses após cumprir o serviço militar obrigatório.

Tudo isso ele conta em Voand’O Baixo, que reserva, é claro, um número considerável de páginas para sua história com o Secos & Molhados. As coisas aconteceram muito rápido para Willy Verdaguer no Brasil. Tocar com Caetano, Gil e Gal foi um cartão de visita e tanto para o baixista, que se tornou um requisitado músico de estúdio no fim dos anos 1960 e início da década seguinte.

Willy, já fora dos Beat Boys, separados pelo exílio de Caetano e Gil em 1969, também se envolveu com projetos de teatro musicado. Foi nos bastidores de um deles, o espetáculo A Viagem, que conheceu os ainda anônimos João Ricardo, Gerson Conrad e Ney Matogrosso, que tinha um pequeno papel na peça.

O trio procurava uma banda. Willy, mais uma vez, estava no lugar certo, na hora certa. A história se passa no fosso do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo. “João e Gerson foram bem diretos: ‘Temos um conjunto, queremos vocês para nos acompanhar’. Ali foi o início de tudo. Começamos a ensaiar e a preparar o show que estava marcado para dali a poucos dias”, conta.

Voand’O Baixo. Willy Verdaguer. Edição Independente (144 págs., 85 reais)

Do primeiro show, em dezembro de 1972, o baixista se lembra com exatidão. Após mais uma apresentação de A Viagem, Willy afinava seu instrumento no palco da Casa de Badalação & Tédio, bar-restaurante do Ruth Escobar onde se reuniam intelectuais, jornalistas, artistas e músicos. Estava tudo pronto. Só faltava Ney Matogrosso.

“Ele chegou todo maquiado, tirou a roupa e ficou só de sunga. Entrou no palco ‘de quatro’ e olhou nos olhos de cada um que estava na plateia. Parecia um bicho. Foi chocante. Em 1972, isso era uma loucura”, diz. Dali em diante, Willy ­Verdaguer participou de um fenômeno relâmpago, relembrado na recente cinebiografia de Ney, Homem com H.

Após dois álbuns de estrondoso sucesso, o Secos & Molhados se separou, em 1974. Ficaram eternizadas as linhas de baixo criadas por Willy em músicas como Sangue Latino, Amor, Voo, Mulher Barriguda, Assim Assado.

O argentino ajudou a definir o som de uma das maiores e mais revolucionárias bandas brasileiras: “Não tenho a menor dúvida de que, se tivesse sido um disco folk, como era, até teria feito sucesso, mas não seria como foi. Colocamos o rock no Secos & Molhados”.

E Willy se mantém na ativa. Ele se apresenta com o grupo Raíces de ­América, que fundou há 40 anos para celebrar a música folclórica latino-americana. Com integrantes brasileiros, argentinos e chilenos, a banda gravou 11 álbuns. Outro projeto é um show-tributo ao Secos & Molhados em que compartilha histórias de bastidores. Para tocar rock argentino ele tem a Lomo Plateado.

Ao longo da carreira, Willy tocou com muita gente – Ronnie Von, Roberto Leal­, Raul Seixas, Elis Regina, que gravou uma música dele, e Chrystian & Ralf entre eles –, integrou a banda fixa de Guilherme Arantes, com quem ainda faz shows vez e outra, morou um tempo na casa de Gil e viu a Tropicália ali ser gerada, casou, se separou, casou de novo, teve dois filhos, lançou dois discos solo…

E agora lança um livro, que passeia também por histórias com Rita Lee, Erasmo Carlos e Os Mutantes: “Participei de acontecimentos eternos na música brasileira. Foi tudo maravilhoso”. •

Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘No lugar certo, na hora certa’

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