Política

O último refúgio

Os canalhas agora se escondem sob o manto da traição

O último refúgio
O último refúgio
Ilustracão: Baptistão
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Ilustracão: Baptistão

A família Bolsonaro acaba de dar mais uma contribuição ao cancioneiro popular. O clã subverteu uma frase do escritor inglês Samuel Johnson cunhada no século XVIII. De agora em diante, ao menos no Brasil, o antipatriotismo, a traição, tornou-se o último refúgio dos canalhas. Ou seria o penúltimo? O ministro Alexandre de Moraes mandou instalar uma tornozeleira em Jair e o proibiu de se aproximar a menos de 200 metros de qualquer embaixada em Brasília, mas nada garante que o ex-presidente não venha a pular o muro de alguma representação estrangeira ou se espremer no porta-malas de um carro diplomático para evitar um beliche na ­Papuda. ­Opções não faltam. A Internacional Fascista se fortalece no mundo. Argentina, Hungria e, claro, os Estados Unidos de Donald Trump estão de portas escancaradas e corações abertos.

Bananinha, vulgo Eduardo, abriu a porteira. Há quatro meses, à custa do Erário e da mesada do papai, enviada via Pix, Dudu divide-se entre passeios à Disney­ e incursões a Washington, em uma conspiração que envolve parlamentares republicanos, Steve Bannon, integrantes do governo Trump, o Pateta e o Mickey. É até difícil saber quem é quem nesse complô. O prazo da licença da Câmara chegou ao fim, mas o deputado não precisa se desesperar. Cláudio Castro ofereceu o suado dinheiro dos contribuintes do Rio de Janeiro para financiar o segundo ato do golpe fracassado. Na disputa para saber qual dos governadores bolsonaristas é mais bolsonarista, o carioca, interessado em ser ungido na eleição ao Senado, saiu na frente e cogita nomear o 03 para um cargo, com vencimentos compatíveis e uma desculpa para evitar a renúncia no Parlamento. Falta definir o posto. Duas sugestões: secretário de Transportes do Magic Kingdom, para organizar os desfiles do fim da tarde no parque, ou secretário de Ciências do Epcot Center. Enquanto isso, o senador Flávio passa férias em Portugal – seria bom o STF ficar atento. E não podemos esquecer dos agregados, mesmo os renegados. Condenada a 10 anos de prisão, Carla Zambelli, após uma odisseia pelas estradas da América, meteu-se em algum porão na Itália. E comprovou: um bolsonarista é, antes de tudo, um covarde.

O capitão, filhos, agregados e subalternos não demonstram qualquer pudor em fazer aquilo que parte da mídia “profissional” passou anos, dia sim, outro também, a insinuar a respeito do presidente Lula: fugir na calada da noite como ratos do navio à deriva. O petista enfrentou de cabeça erguida a condenação injusta e passou 580 dias preso na superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Foi proibido de dar entrevistas e de acompanhar o enterro do neto. Recusou todos os apelos para que deixasse o Brasil, nunca misturou seu drama pessoal com os destinos do País e dos compatriotas. Não chantageou, não ameaçou, não pediu arrego, não se escondeu atrás do valentão do bairro. Confiou na Justiça, optou pela luta política, aceitou as consequências dessa escolha, suportou as humilhações e completou a redenção ao subir, pela terceira vez, a rampa do Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2023.

O clã Bolsonaro tenta, em vão, livrar-se da imagem de vendilhão da pátria

O contraste entre a altivez de Lula e a paúra de Bolsonaro demole, como se, a esta altura, ainda fosse necessário qualquer exemplo, a tese da polarização. Ao contrário do mantra dos druidas da “terceira via”, o petista e o golpista não são faces da mesma moeda. Neste exato momento, o capitão redobra a aposta na desmoralização das instituições, a começar pelo STF, amparado pela chantagem de ­Washington. Uma eventual prisão preventiva por sucessivos desacatos às ordens da Corte, nos cálculos bolsonaristas, consolidaria a fábula de mártir e reagruparia a base de apoio. O ministro Alexandre de Moraes tem tempo para não cair na armadilha. O tribunal não pode aceitar desacatos, mas precisa equilibrar o peso da mão do Estado. Tudo o que o ex-presidente quer e precisa é de um fato para substituir a imagem de vendilhão da pátria pela caricatura de perseguido político.

Bolsonaro deposita suas esperanças na convulsão social, em proveito próprio e de sua divindade, Trump. Atenta contra o País e o povo, consumido por um delírio egoico. Eduardo não esconde os sentimentos mais profundos do clã: levará a campanha contra o Brasil até as últimas consequências e, se não alcançar o intuito de livrar a cara do pai, a “terra arrasada” será sua vingança. Quanto mais se aproxima o momento de o ex-presidente se restringir, de fato, às tais “quatro linhas” – as três paredes e a grade da cela –, mais se considera um predestinado. Os homens e as mulheres de bem, trajados de torcedores da CBF, tomarão as ruas, os palácios e os tribunais em sua defesa? Agirão em nome de Deus, da pátria alheia e da família (miliciana)? Teremos um reboot da tentativa frustrada de golpe? O pastor Silas Malafaia e o Véio da Havan, assanhados, convocam protestos e motociatas. Os ­deputados do PL trocam a cor do Partido Republicano na homenagem esquizofrênica ao presidente dos EUA – nossa bandeira nunca será vermelha. Circulam boatos de um locaute de caminhoneiros. Muito barulho por nada. A impressão, a despeito da cruzada, é de que lá na Rua 25 de Março só se fala em outra coisa. •

Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O último refúgio’

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