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Para relator da OEA, Estados devem combater concentração midiática

Em meio a ataques à Lei de Meios argentina, ecoam mais fortes as recomendações para limitação da concentração midiática

Para relator da OEA, Estados devem combater concentração midiática
Para relator da OEA, Estados devem combater concentração midiática
Lanza vê com preocupação a concentração midiática
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Por Iara Moura*

“O pluralismo e a diversidade dos meios de comunicação são de particular importância para o direito universal de exercer a liberdade de expressão. Em termos de uma decisão recente da Corte interamericana, a proteção do pluralismo não é apenas um objetivo legítimo, mas também imperativo do Estado”.

O trecho foi retirado de uma versão preliminar de informe que está sendo escrito pela Relatoria para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O documento contém recomendações aos Estados que visam a limitar a concentração de meios e foi apresentado pelo relator, Edison Lanza, em conferência realizada na Colômbia em novembro último.

Desde 1985, a Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que os oligopólios atuam contra a liberdade de expressão. E a Declaração de Princípios sobre o tema, aprovada pela Comissão, desde o ano 2000 afirma que os Estados têm obrigação de limitar tal concentração.

Denominado Hacia la construcción de estándares sobre diversidad, pluralismo y límites a la concentración indebida de medios de comunicación, o documento surge como resposta, entre outras razões, ao pedido de várias organizações que solicitaram que a Relatoria atue neste tema.

“O Relator Especial, por meio de seus vários instrumentos, identificou que a maioria dos países da região tem alguns grupos privados audiovisuais que monopolizam ou controlam as principais licenças e frequências de rádio, televisão aberta e TV paga. Estes geralmente representam linhas editorias semelhantes”, diz outro trecho do documento.

Um dos desafios colocados no documento é a produção de indicadores eficientes para medir a concentração, que se dá de diversas formas: pela formação de redes, pela verticalização da cadeia (quando uma empresa atua em mais de uma camada do setor) ou pelos fenômenos de propriedade cruzada (quando um grupo empresarial é proprietário de mais de um tipo de veículo de comunicação, rádio, TV e jornal impresso, por exemplo). Através desses mecanismos, são formados os monopólios e oligopólios no setor de comunicação.

Para se ter uma ideia, no Brasil, de acordo com dados do Anuário de Mídia 2015 e do projeto Donos da Mídia, a Rede Globo engloba hoje 123 emissoras, em 5.490 municípios (98,56% do total) e atinge 202.716.683 habitantes (99,51% da população).

Dessas concessões, apenas cinco são próprias do Grupo Globo, sendo que 118 são de outros grupos. Assim, a rede representa 22,6% (praticamente 1/4) do total de 543 outorgas no Brasil, enquanto as cinco pertencentes ao Grupo Globo representam 0,009% (cerca de 1/100).

Os números revelam que as redes disfarçam o oligopólio nacional por meio dos mediadores locais: a formação de redes mencionada no parágrafo anterior. Além disso, os cinco maiores grupos absorvem em média 82% da verba oficial de publicidade de TV.

Em declaração difundida em dezembro último, diversas organizações da América Latina, entre elas o Coletivo Intervozes, também expressam a relação direta entre a concentração midiática e a violação do direito à liberdade de expressão nos países: “como resultado da concentração indevida, o conteúdo é recebido pelo público nas mãos de poucos grupos que, por sua vez, tendem a integrar as suas diferentes atividades políticas com interesses econômicos e, em vários casos, isso lhes concede um poder que excede o das instituições do Estado, estabelecendo-se em poderes (de fato) que determinam a agenda pública e comprometem o debate democrático”, diz trecho da carta.

As organizações em defesa do direito à comunicação e à liberdade de expressão na América Latina apontam que os Estados devem atuar nas diversas formas de expressão da concentração, desde o combate aos monopólios e oligopólios, passando pela redistribuição das verbas publicitárias, ao fim das concessões para políticos em vigência de seus mandatos e à revisão de marcos legais anacrônicos e pouco efetivos. (Em passagem pelo Brasil, em agosto deste ano, o relator defendeu a aprovação de novo marco regulatório para as comunicações no país).

O informe elaborado pela Relatoria da OEA será finalizado no início deste ano. A partir daí, os Estados devem receber as recomendações. Desde a América Latina, esperamos que o informe traga boas novas para o ano que chega e cobre medidas efetivas dos países no estabelecimento de limites aos grupos de mídia. Para isso acontecer, a mídia comercial precisa aprender uma lição importante: dividir. Pela experiência argentina, cabe à sociedade civil mobilizada ensinar essa lição e manter-se vigilante para que ela resista às afrontas de governos conservadores.

*Iara Moura é jornalista e integrante da Coordenação Executiva do Coletivo Intervozes. Representou o Coletivo na Conferência Internacional “Medios Libres e Independientes en Sistemas Mediáticos Plurales y Diversos”, em Bogotá, em novembro último

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