Elnara Negri

Livre-docente pela Faculdade de Medicina da USP e pneumologista do Núcleo Avançado de Tórax do Hospital Sírio-Libanês

Opinião

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Envelhecer e reinventar-se

A ciência mostra que aprender coisas novas, ocupar-se, praticar atividades em grupo e ter contato com a natureza são cruciais para a longevidade saudável

Envelhecer e reinventar-se
Envelhecer e reinventar-se
Brasília (DF) 18/06/2024 - Seminário sobre combate ao idadismo e à violência contra idosos Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
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A aceleração do envelhecimento populacional é uma realidade e traz consigo uma nova ordem mundial. Esse processo começou nos países de alta renda, com melhorias no acesso a vacinas e nas condições de saneamento básico e saúde pública, aliadas à redução do número de filhos por casal, e, atualmente, se faz presente nos países de média e baixa renda.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, até 2030, uma em cada seis pessoas terá 60 anos ou mais. E a ciência, mais uma vez, é a grande aliada da civilização para enfrentar mais esse desafio.

Envelhecer é uma mistura de bom e ruim, de doce e amargo, tanto do ponto de vista individual quanto numa visão ampla da sociedade. O envelhecimento das nossas células traz consigo degeneração dos órgãos e tecidos, desgaste articular, diminuição da audição, da visão e, mais alarmante, da cognição.

Paralelamente, mudanças profundas no cotidiano daquele que envelhece, desafiam nossa capacidade de reinvenção – algo crucial para se enfrentar esse cenário.

Nesse terreno incerto, muitos incautos têm sido vítimas de aproveitadores que vendem tratamentos milagrosos, terapias, medicamentos, suplementos, reposições hormonais descabidas e potencialmente perigosas.

A indústria que explora o envelhecimento cresce e lucra com nossa ambição de juventude para sempre, sem crítica e sem visão social.

Vários pesquisadores em todo o mundo vêm se dedicando ao estudo do envelhecimento. Um grupo especialmente notável, em Oxford, no Reino Unido, comandado pelo professor Denis Noble, o Oxford Longevity Project (OLP) merece nossa atenção. O OLP é uma organização sem fins lucrativos cuja missão é divulgar e ampliar o acesso aos mais recentes avanços na ciência da longevidade.

O OLP foi fundado durante a vivência do lockdown da pandemia de Covid-19, em 2021, por quatro amigos pesquisadores: Sir Christopher Ball, com 90 anos; professor Denis Noble, com 88, fisiologista cardiovascular pioneiro; doutor Paul Ch’em, de 58 anos, médico universitário; e ­Leslie Kenny, 60 anos, fundadora da Oxford Healthspan, que se dedica a divulgar informações científicas sobre nutrição e suplementação nutricional e envelhecimento.

“O OLP começou com uma pergunta: e se as últimas descobertas laboratoriais acessíveis sobre o envelhecimento pudessem ser compartilhadas diretamente com o público?” Informação de qualidade é a melhor arma contra fake news e aproveitadores do sofrimento alheio. O projeto é aberto para consulta, sem custo.

O envelhecimento com qualidade deve ser pensado desde a juventude. Um estudo na Finlândia revela que fumar, beber em grande quantidade e a inatividade física no início da idade adulta estão fortemente ligados ao declínio da saúde física e mental até os 36 anos, com maior incidência de doenças graves após os 60 anos.

O mesmo trabalho mostra que, indiscutivelmente, o exercício físico regular, de pelo menos 150 minutos por semana, ajuda a manter a saúde. Um estudo recente publicado no New England Journal of ­Medicine nos traz informações que corroboram os achados do estudo finlandês.

As doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte em todo o mundo. E, aproximadamente, metade de todos os casos de doenças cardiovasculares poderia ser prevenida através do gerenciamento eficaz de cinco fatores de risco: hipertensão arterial, equilíbrio do colesterol, obesidade, diabetes e tabagismo.

Foram estudadas 2.078.948 pessoas a partir de 18 anos de idade, em oito regiões do planeta (América do Norte, América Latina, Europa Ocidental, Europa Oriental e Rússia, Norte da África e Oriente Médio, África Subsaariana, Ásia e Austrália).

A ausência dos cinco fatores de risco clássicos aos 50 anos de idade foi associada a um aumento de dez anos de vida em ambos os sexos. Pessoas que modificaram hipertensão e tabagismo na meia-idade tiveram a maioria dos anos de vida adicionais isentos de doenças cardiovasculares e de morte por qualquer causa.

O resultado é muito animador, pois podemos modificar o nosso futuro a qualquer tempo da nossa vida. Quanto mais cedo, melhor.

A ciência também tem mostrado que a reinvenção de nossas atividades, buscando aprender, ocupar-se, envolver-se em atividades em grupo e ter contato com a natureza são igualmente importantes no processo de se envelhecer com qualidade.

Em um mundo tão necessitado de empatia e sabedoria, o idoso que se propõe, por exemplo, a ajudar em atividades assistenciais também acaba por ser ajudado. É a verdadeira corrente do bem. Reinvente-se e esteja aberto a aprender sempre – sem preconceito. •

Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Envelhecer e reinventar-se’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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