Amarílis Costa

Advogada, doutoranda em Direitos Humanos na Faculdade de Direito USP, mestra em Ciências Humanas, pesquisadora do GEPPIS-EACH-USP, diretora executiva da Rede Liberdade.

Opinião

Proteção no discurso, destruição na canetada

Enquanto uns lutam para proteger a floresta em pé, outros a vendem por baixo do pano, lote a lote, no silêncio das leis afrouxadas

Proteção no discurso, destruição na canetada
Proteção no discurso, destruição na canetada
Devastação. A Floresta Amazônica perdeu mais de 8,5 mil quilômetros quadrados de cobertura vegetal apenas no último ano - Imagem: Greenpeace Brasil/Arquivo
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Enquanto o mundo volta os olhos para Belém do Pará, sede da próxima COP30, o Congresso Nacional pisa no acelerador da destruição ambiental. A aprovação da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021), que desmonta um dos últimos pilares normativos da proteção ambiental no Brasil, revela o abismo entre o discurso oficial e a prática política. Em pleno ano da Conferência da ONU sobre o Clima no coração da Amazônia, o Estado brasileiro envia um recado claro: aqui, quem dita as regras ainda são os interesses do agronegócio, da mineração predatória e da especulação fundiária.

O novo marco do licenciamento ambiental é vendido como “modernização”, mas sua essência é desregulação. A criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e da Licença Ambiental Especial (LAE) institucionaliza a autodeclaração empresarial e enfraquece o papel dos órgãos técnicos. Na prática, será possível aprovar rodovias, obras energéticas e expansões agrícolas com impacto socioambiental sem avaliação adequada de riscos e sem participação efetiva das comunidades atingidas. A dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias e a limitação da atuação de entidades como a Funai e o ICMBio são retrocessos que colocam em xeque não só o meio ambiente, mas os direitos territoriais de povos originários e tradicionais.

Essa contradição é ainda mais evidente diante da COP30. O governo brasileiro — que abriga em sua retórica a ambição de protagonismo climático — se vê encurralado por seus próprios pactos internos. Enquanto a diplomacia verde tenta projetar o país como liderança ambiental, o Congresso aprofunda o desmonte institucional da política ambiental e estimula o negacionismo econômico disfarçado de pragmatismo. A mesma Belém que sediará chefes de Estado, indígenas e especialistas do mundo inteiro está hoje submetida a obras faraônicas com questionamentos de impacto ambiental e social, executadas sob o pretexto de “preparar a cidade”. A que custo?

A promessa do fundo TFFF (Tropical Forests Forever Facility) — com aporte bilionário para a conservação das florestas tropicais — pode virar cortina de fumaça se o Brasil continuar a afrouxar os controles sobre a destruição ambiental. Qual será a legitimidade de pedir bilhões à comunidade internacional para proteger a Amazônia, enquanto se legaliza sua devastação em casa?

Além disso, os retrocessos no licenciamento fragilizam a posição brasileira nas negociações climáticas. O que se espera da COP30 é um compromisso real com a justiça climática — conceito que exige centralidade de povos tradicionais, políticas públicas estruturantes e um modelo de desenvolvimento que não repita os vícios coloniais. Mas como defender justiça climática se o país desmobiliza a consulta prévia a povos indígenas, ignora o princípio da precaução e transforma proteção ambiental em entrave burocrático?

Essa política de terra arrasada não é nova — mas agora está sendo reembalada como modernidade. Trata-se de um projeto político de classe, racializado e colonial, que privilegia os grandes grupos econômicos em detrimento da maioria da população e da preservação da vida. O Brasil está diante de uma encruzilhada: ou se torna referência real de uma transição ecológica justa, ou reafirma seu papel histórico como colônia extrativista de um capitalismo predador e suicida.

A COP30 poderia ser o momento de virada. Mas, para isso, seria preciso coragem para enfrentar os interesses que se beneficiam da devastação — inclusive os que compõem a base do governo. Sem isso, corremos o risco de que a conferência mais esperada da década se transforme em espetáculo vazio. Pior: em vitrine de uma hipocrisia institucional que sacrifica o futuro em nome de lucros imediatos.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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