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Negócios à parte
Em troca de contratos vultosos, Donald Trump promete armas a Zelensky e pressiona Vladimir Putin


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na segunda-feira 14 a venda de armas antiaéreas para que os aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte repassem à Ucrânia. No mesmo anúncio fez um ultimato. O ex-aliado Vladimir Putin tem 50 dias para aceitar um cessar-fogo, caso contrário Washington vai punir comercialmente países que, como o Brasil, mantêm transações comerciais com a Rússia. O castigo virá na forma de um aumento de 100% nos impostos sobre produtos que essas nações exportam para os EUA.
A nova jogada do presidente norte-americano produz, em primeiro lugar, lucros bilionários. Os EUA conseguiram um contrato vultuoso para fornecer defesa antiaérea à Ucrânia, à custa da Europa, ao mesmo tempo que aumentarão a arrecadação fiscal com as novas taxas sobre produtos importados, não da Rússia, que sofre embargos e sanções há anos pela Europa e pelos EUA, mas de outros países, entre eles integrantes dos BRICS, que pagarão o preço por manter laços econômicos com Moscou.
Dessa maneira, Trump volta a se aproximar do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, cinco meses depois de tê-lo humilhado no Salão Oval da Casa Branca, num encontro constrangedor, transmitido ao vivo pela tevê. Na ocasião, o presidente dos EUA forçou Zelensky a se render à Rússia, nos termos impostos por Putin. Também impôs à Ucrânia um contrato de exploração de minerais estratégicos, petróleo, gás e infraestrutura portuária num valor estimado em 500 bilhões de dólares, a título de ressarcimento pelo apoio militar prestado até ali.
O encontro de fevereiro indicava que a guerra poderia terminar dentro de pouco tempo, em termos vantajosos para a Rússia. Trump estava à época em um balé de aproximação com Putin, sobre quem vinha fazendo declarações elogiosas. Mas depois de cinco telefonemas trocados em cinco meses entre a Casa Branca e o Kremlin, o republicano parece ter voltado atrás, mudando de lado na guerra como quem muda de roupa.
A troca na posição começou a ficar clara na terça-feira 8, quando Trump disse: “Putin fala muita bobagem. Quer saber? Ele é sempre muito gentil, mas, no fim, não significa nada”. O presidente norte-americano parecia ter percebido que, enquanto gastava tempo em conversa, a Rússia seguia a ampliar a ofensiva contra a Ucrânia, batendo recordes seguidos de destruição, em ataques cada vez mais intensos com drones – julho foi o mês que registrou o maior número de vítimas ucranianas, desde o início do conflito, há três anos. “Ele fala bem e depois bombardeia todo mundo à noite”, insistiu, antes de anunciar o envio de novos equipamentos de defesa antiaérea à Ucrânia e a ameaça de sobretaxa sobre produtos exportados aos EUA por aliados de Moscou.
O vaivém na posição de Washington está ligado aos humores de Trump, não às questões de fundo do conflito. O presidente dos EUA jamais expressou uma posição clara sobre o mérito da reivindicação russa sobre partes do território ucraniano, sobre a expansão da Otan na direção das fronteiras russas ou sobre a permanência de Zelensky no poder. Prefere falar sobre a personalidade de Putin, como se tudo fosse uma questão de afinidades entre homens de caráter forte.
Washington deu um ultimato a Moscou. Quer um cessar-fogo em até 50 dias
No anúncio de segunda-feira 14, o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, estava no Salão Oval, ao lado de Trump. O holandês, que havia chamado o presidente norte-americano de “papai” da Otan, no encontro da aliança realizado em Haia, no fim de junho, não escondeu o entusiasmo com o anúncio da nova transação bélica, e realçou o aspecto comercial do negócio: “Você quer que os europeus paguem por isso, o que é totalmente lógico”. Trump celebrou “o acordo muito grande” da venda feita a um aliado fiador.
Pelo acordo, países europeus repassariam à Ucrânia partes de seus arsenais de defesa antiaérea, os chamados Patriot, de fabricação norte-americana, que incluem não apenas os mísseis interceptadores, mas um sistema de lançadores e de radares, além de equipamentos sofisticados de controle. Esses mesmos países iriam repor seus próprios estoques comprando dos EUA. Dessa maneira, a transação não se daria diretamente entre Washington e Kiev.
Do lado contrário, paira a expectativa sobre as taxas anunciadas. Se elas forem de fato implementadas, abrirão uma crise explícita com grandes economias dos BRICS, como China, Índia e Brasil, que não pretendem abrir mão da liberdade de negociar com os russos. Em maio, o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, havia dito, em visita a Moscou, que o Brasil tem “um comércio muito elevado, muito importante” com a Rússia. A ideia, segundo ele, é de “aumentar ainda mais esse comércio”.
Agora, o Brasil pode tanto sofrer danos colaterais da disputa entre os EUA e a Rússia quanto pode ser alvo direto de taxações, no episódio precipitado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, que busca castigar os exportadores brasileiros com sobretaxas, para que eles pressionem o presidente Lula e o ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, a aceitar a anistia a Jair Bolsonaro.
O prazo de 50 dias dado por Trump soa como um ultimato, mas ele mesmo violou os próprios prazos no passado, como quando quis encerrar a guerra na Faixa de Gaza e mesmo quando pressionou Zelensky a capitular. Desta vez, ainda deixa uma porta aberta com Moscou: “Ele me decepciona, mas eu ainda não terminei com ele”, disse sobre Putin em entrevista à BBC, indicando que o espaço para negociações segue aberto, e as ameaças podem não passar de um convite, ao estilo Trump, para conversar.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, classificou as declarações de Trump como “muito sérias” e disse que elas foram tomadas pelo lado ucraniano “não como um sinal de paz, mas como um sinal para continuar a guerra”. Em suas redes, Zelensky anunciou que as prioridades para os próximos seis meses são aumentar a produção nacional de armas e munições e comprar tantos drones quanto possível. •
Publicado na edição n° 1371 de CartaCapital, em 23 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Negócios à parte’
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