

Opinião
Trump faz mal à saúde
A imposição de tarifas de 50% sobre exportações brasileiras afetará de forma grave e direta a saúde e o SUS


Não tratarei aqui dos transtornos à saúde física e mental provocados pelas nocivas declarações do mandatário norte-americano, mas da grave imposição de tarifas de 50% sobre exportações brasileiras, que afetarão diretamente a saúde e o SUS. Para compreender os impactos da medida, ouvi especialistas e empresários do setor.
A percepção geral é de que os efeitos serão significativos, dada a forte dependência brasileira de importações dos EUA, especialmente de produtos de alta tecnologia como medicamentos, vacinas, dispositivos médicos e insumos estratégicos.
Segundo o ex-ministro José Gomes Temporão, medicamentos e produtos farmacêuticos estão entre os principais itens importados dos EUA. No primeiro semestre de 2025, essas importações cresceram 30,1% em relação ao mesmo período de 2024. Além disso, o Brasil aplica tarifas baixas – em alguns casos, nulas – sobre esses produtos.
Carlos Gadelha, coordenador do Grupo de Pesquisa, Desenvolvimento e Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) da Fiocruz, destaca que o déficit comercial do CEIS–Brasil com os EUA cresceu 70% em 30 anos, passando de 1,6 bilhão de dólares em 1997 para 2,7 bilhões em 2024.
Em 2024, importamos 3,2 bilhões de dólares e exportamos apenas 0,5 bilhão. Os medicamentos respondem por parte significativa desse déficit. Nos anos 1990, os EUA representavam cerca de 30% do déficit do CEIS; hoje, respondem por 13% das importações brasileiras de medicamentos acabados, atrás apenas da União Europeia e da China.
Há em curso uma relevante cooperação tecnológica e produtiva entre Brasil e EUA, com dez Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) envolvendo instituições públicas brasileiras e empresas americanas. Essas parcerias focam a internalização de tecnologias para o SUS, como vacinas (HPV e herpes) e medicamentos (HIV, câncer e doenças raras).
Segundo Gadelha, o tarifaço coloca em risco a política do CEIS, retomada em 2023 para fortalecer o SUS.
Muitos empresários demonstram surpresa e esperam que a medida seja um blefe ou que haja espaço para negociação. Eles reconhecem o direito à reciprocidade, mas alertam para os riscos nas retaliações.
Francisco Balestrin, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo e do Sindicato dos Hospitais Privados do Estado, afirma que, embora as exportações brasileiras para os EUA sejam modestas, a taxação afetará fortemente a competitividade da indústria nacional, forçando a busca por mercados alternativos onde há concorrência acirrada com China, Índia e Turquia, gerando possíveis demissões.
Ele observa ainda que o mercado interno não absorverá o aumento de custos decorrente da taxação recíproca, que poderá ser repassado aos produtos.
O impacto para o SUS será enorme e é por ora incalculável. Produtos médicos, tecnologias, reagentes laboratoriais, medicamentos, insumos estratégicos e componentes terão seus preços elevados.
Nélson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma, concorda que medidas de reciprocidade aumentariam os custos tanto para o SUS quanto para a saúde suplementar.
Multinacionais norte-americanas também serão afetadas, já que muitos de seus produtos são abastecidos com matérias-primas importadas das matrizes. Estima-se um aumento de 20% a 30% nos preços finais, o que pode torná-los menos competitivos em relação a produtos chineses. Algumas dessas empresas podem deixar o mercado nacional.
Demissões decorrentes do tarifaço em diferentes cadeias produtivas, segundo Balestrin, afetarão a cobertura da saúde suplementar, já que 80% dos beneficiários estão vinculados a planos de saúde corporativos.
Há quem defenda medidas mais duras, como a suspensão de patentes de produtos norte-americanos, caso se esgotem as negociações. No entanto, representantes do setor privado alertam que o Brasil não teria capacidade imediata de assumir a produção desses itens, resultando em falta de determinados produtos. Além disso, China e Índia já possuem forte proteção de patentes, o que poderia isolar o Brasil tecnologicamente.
A pandemia de Covid–19 evidenciou a fragilidade da cadeia global de suprimentos e quanto o Brasil é vulnerável a crises externas. O debate, portanto, transcende a economia: diz respeito à soberania e à segurança nacional. •
Publicado na edição n° 1371 de CartaCapital, em 23 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Trump faz mal à saúde’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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