

Opinião
O MP e seus paradoxos
Quem são e o que pensam os promotores brasileiros?


Acaba de sair um pequeno livro, mas repleto de dados instigantes: Quem São e o Que Pensam os(as) Integrantes do Ministério Público no Brasil?, assinado por Ludmila Ribeiro, Fábio Kerche e Oswaldo E. do Amaral, publicado pela Fundação Casa de Rui Barbosa. Resultado de uma pesquisa ampla e meticulosa, a obra escancara um retrato fascinante – e, em muitos sentidos, paradoxal – da elite jurídica que ocupa posição estratégica tanto na defesa da legalidade quanto na persecução penal no País. O estudo revela que o Ministério Público brasileiro é, ao mesmo tempo, conservador em determinados aspectos e surpreendentemente liberal em outros. E, acima de tudo, profundamente desconfiado da política.
Não surpreende saber que o Ministério Público continua a ser, em sua maioria, branco (78,6%) e masculino (65,4%). Mas desponta o contraste com a sociedade brasileira, revelando como as carreiras jurídicas continuam pouco permeáveis à diversidade racial. Pretos representam apenas 4,7% da instituição. Há, contudo, sinais de mobilidade social: em torno de 15% dos promotores vêm de famílias com baixa escolaridade, ainda que predomine, de longe, a origem em famílias com ensino superior ou pós-graduação (63%). Curiosamente, os ramos do Ministério Público da União, como o MPF, o MPT ou o MPDFT, mostram um pouco mais de diversidade racial e de gênero em comparação ao Ministério Público dos Estados. Ainda assim, o perfil dominante permanece branco, masculino e de elite socioeconômica, inclusive no âmbito federal.
Outro dado instigante diz respeito às motivações para ingressar na carreira. O estudo revela uma elite jurídica que oscila entre o pragmatismo e a vocação. Perto de 46% dos promotores ingressaram no MP por razões pragmáticas – estabilidade, remuneração ou prestígio. A maioria (54%) chegou ali, porém, movida por convicções mais idealistas: o desejo de realizar justiça é, isoladamente, o principal motor, declarado por mais da metade daqueles que afirmam ter motivações axiológicas.
No campo das ideias, os promotores brasileiros oferecem um quadro menos monolítico do que às vezes se supõe. Em temas de costumes, como direitos LGBT ou identidade de gênero, há tendência moderadamente liberal, embora temas como o aborto revelem maior divisão, refletindo as tensões da sociedade brasileira. Já na política criminal, o pêndulo move-se para o outro lado: a média do índice calculado indica tendência punitivista moderada, coerente com o histórico papel do MP no enfrentamento da criminalidade.
No tocante à visão sobre o papel do Estado, o quadro é de equilíbrio. Os promotores reconhecem a importância do Estado na garantia de direitos sociais, mas demonstram preocupação com seus custos e seu tamanho – postura que reflete tanto o ethos jurídico quanto uma visão técnica do Estado.
Talvez o dado mais expressivo seja o índice altíssimo de desconfiança em relação à política e aos políticos. Na escala de 1 a 5, onde 5 indica visão extremamente negativa, a média foi de 4,32 – um grau de ceticismo muito elevado. Para quem exerce funções de controle externo do Poder Público, essa desconfiança pode ter implicações profundas. Por um lado, legitima o MP como guardião da probidade. Por outro, corre o risco de alimentar posturas tecnocráticas ou paternalistas, em que integrantes do Ministério Público se percebem como substitutos legítimos da política na defesa do bem comum.
Importante notar que essa visão negativa da política não se traduz necessariamente em posições econômicas ou penais específicas. As correlações entre desconfiança na política, punitivismo ou orientação neoliberal foram baixas. Ou seja, desconfiar da política é quase um sentimento transversal, que permeia diferentes posicionamentos ideológicos no MP.
O retrato que emerge, portanto, é o de uma instituição complexa, paradoxal e profundamente influente. O Ministério Público brasileiro segue como uma das peças-chave da democracia e também uma corporação que carrega tensões internas entre garantismo e punitivismo, liberalismo e conservadorismo, pragmatismo e idealismo. E, acima de tudo, uma métrica própria de ceticismo em relação à política que, se por um lado legitima seu papel de fiscalização, por outro desafia os limites entre justiça e política. •
Publicado na edição n° 1371 de CartaCapital, em 23 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O MP e seus paradoxos’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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