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Banda larga: dinheiro público para teles em alta velocidade

Procurar pelo serviço de banda larga popular pode ser um esforço em vão. As operadoras privadas de telecomunicação se beneficiam dessa política, sem dar a contrapartida para o povo.

Banda larga: dinheiro público para teles em alta velocidade
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*Por Bruno Marinoni

Existe (teoricamente) hoje no Brasil uma política pública voltada para a “massificação” do acesso em banda larga no Brasil: o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), criado em 2010. Sua meta declarada é fazer com que 40 milhões de domicílios se conectem à rede mundial de computadores até 2014 (conhecido vulgarmente como “este ano” ou “ano da Copa”). A meta não declarada é enriquecer as empresas que já concentram os mercados do setor.

Para o PNBL, foram anunciados cerca de R$ 10 bilhões em investimento, vindos do Governo Federal e da iniciativa privada. Uma de suas principais vitrines é a chamada “banda larga popular”, por meio da qual os cidadãos e cidadãs poderiam contratar um serviço de internet de velocidade de 1 Mbps por R$ 35 mensais. Parece ótimo, mas você já tentou contratar esse serviço? Caso venha a tentar, rezaremos pela sua alma, pois o árduo percurso demanda proteção.

Telefonar ou procurar na internet pelo serviço de banda larga popular pode ser um esforço demorado e vão. O Ministério das Comunicações anuncia que já são 4.500 os municípios beneficiados pelo programa. Porém, embora um dos critérios do PNBL seja que as empresas privadas ofertantes disponibilizem o serviço em todos os meios de relacionamento com o cliente e que tenha divulgação igual aos outros planos de maior valor, não é esta a realidade.

Enquanto o país expande sua rede de fibras óticas e desonera as redes e terminais de acesso, as grandes operadoras privadas de telecomunicação se beneficiam dessa política, sem dar a contrapartida necessária para a população. O governo, principalmente após a chegada do ministro Paulo Bernardo, insiste na sua proposta de “massificação”, na qual entrega ao mercado a responsabilidade pela execução da política, esvaziando o papel da Telebrás no setor, enquanto, de outro lado, segue a luta pela “universalização” da banda larga encampada pela sociedade organizada em defesa do direito à comunicação.

Os cofres públicos da União permanecem chovendo na plantação das empresas privadas de telecomunicação em nome de uma colheita que a população não vai ver nem a cor. Viva São José! O governo anunciou no dia 19 de março que “programa de desoneração” chamado Regime Especial de Tributação do Programa Nacional de Banda Larga (REPNBL) já “acumula mais de 2 bilhões em investimentos”. Em outras palavras: o setor está utilizando o dinheiro público para crescer e o governo comemora. Qual a contrapartida que a população tem visto? Empresas se capitalizando e ascendendo no ranking de reclamações de qualidade de serviço.

O que poderia ser uma “ideologia”, nem isso chega a ser. A mentira promovida pelo governo e pelas teles celebra os números dos investimentos, promete a contrapartida social, mas, na prática, só faz a rede crescer com dinheiro público entregando-o ao controle privado. A prepotência é tão grande que não se faz nem o esforço de implementar de fato o programa de banda larga popular, que poderia dar o lastro concreto à política de transferência dos cofres da União aos das empresas. O Minicom e a Anatel não fiscalizam, o serviço não existe efetivamente, e tudo continua como dantes na terra de Abrantes.

Se pararmos para pensar um pouco sobre a importância que a internet tem nas nossas vidas, vamos certamente constatar que ela se tornou uma necessidade básica (ainda que, como outras necessidades desse tipo, não seja acessível de forma igual a todos). Seja no trabalho, ou no tempo livre, nas relações profissionais, pessoais, políticas, afetivas, acadêmicas, econômicas, financeiras e tantas outras, a rede mundial de computadores está presente direta ou indiretamente. É preciso urgentemente uma política efetiva que leve em conta a essencialidade do acesso à Internet e a relevância de que parte de sua prestação seja feita em regime público – com metas de universalização e modicidade tarifária e reversibilidade de bens – e não injetando dinheiro nas gigantes das telecomunicações para elas nos pisotearem.

*Bruno Marinoni é doutor em Sociologia pela UFPE e repórter do Observatório do Direito à Comunicação.

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