

Opinião
Trump mostrou ser impossível não polarizar
Reconhecer que há uma luta de classes é um passo importante para colocar o presidente dos EUA e Jair Bolsonaro em seus lugares


Desde que o bolsonarismo se tornou uma força política relevante, uma parte do colunismo político vem dedicando seus esforços a atacar a chamada “polarização”, o discurso do “nós contra eles” etc. Tal já acontecia na época em que a fração mais forte da direita brasileira era a que escovava os dentes — porém, não com o vigor e o entusiasmo dos que, em estupidez convicta, insistem em dizer que “lulismo” e “bolsonarismo” são faces da mesma moeda.
O fato é que a realidade se impõe e o “nós contra eles”, nos últimos dias, vem ficando cada vez mais palpável. Primeiro, em razão das manobras de Hugo Motta e do Centrão para derrubar o decreto do aumento do IOF, protegendo os super-ricos às custas da maioria empobrecida. Segundo, com o movimento de Donald Trump em anunciar a tarifa de 50% sobre os produtos importados do Brasil por causa da postura do STF no julgamento de Jair Bolsonaro.
As intenções de Trump podem ser entendidas de várias formas. O ex-capitão representa muito mais que um alinhamento automático com os EUA. Além de fazer parte do bolsonarismo o orgulho de ser yorkshire de madames trumpistas, está em seu DNA a selvageria clássica e autoritária do neoliberalismo, com o sonho de um Brasil desindustrializado, agrário-exportador e linha auxiliar da geopolítica do Norte Global. Os EUA, evidentemente, têm intenções de recolocar esta coleira.
Mas o bolsonarismo parece ter percebido que o tiro de Trump pode ter saído pela culatra. Afinal, são os super-ricos e não o Brasil que merecem ser taxados, ainda mais por um ídolo do clã. O senador Rogério Marinho (PL-RN) forçou em entrevista que a responsabilidade sobre a taxação imposta pelos EUA seria do presidente Lula e de suas gafes diplomáticas. Trump seria inimputável por suas ações políticas. Da mesma forma que Bolsonaro e os golpistas do 8 de Janeiro.
A tarifa de Trump aflige a indústria brasileira, que já anda mal há algum tempo. Um país com indústria fraca faz parte do projeto bolsonarista, que quer um agronegócio forte e uma economia voltada à exportação de commodities, sem competitividade e relevância no mercado internacional e vulnerável a flutuações cambiais externas. É o Brasil da década de 20, antes de Getúlio Vargas.
O problema é que se são os barões do agronegócio e a fina flor do rentismo que ganham com isso, é o povo brasileiro que perde. E aí retornamos à polarização, impossível de ignorar, pois no modo de produção capitalista a conciliação de classes tem pernas curtas.
Quem vende a força de trabalho para sobreviver quer, necessariamente, ver crescer o valor desta força de trabalho. Quem a compra, por sua vez, pretende exatamente o contrário. Um país com indústria forte significa um país com mão de obra especializada e melhores condições de crescimento e organização da classe trabalhadora, com suas consequências nas políticas interna e externa. Não é este o Brasil que desejam os senhores do agronegócio e a Faria Lima. Tampouco é o Brasil que desejam Trump e Bolsonaro.
A questão de fundo, portanto, é a disputa de projetos para o País. E esta disputa passa pela pergunta: a quem estes projetos servem? Ao povo trabalhador ou a meia dúzia de endinheirados? Em 2011, em meio a debates sobre a taxação de grandes fortunas, Warren Bufett, milionário norte-americano, foi provocado por um entrevistador da CNN se não estaria feliz em ver sua sugestão de tributar super-ricos transformada em uma inflamada luta de classes. “Na verdade, tem havido uma luta de classes nos últimos 20 anos, e a minha classe venceu”, respondeu.
Reconhecer que há luta de classes é um passo importante para colocar Trump e Bolsonaro em seus lugares.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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