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“Pelos meus filhos”

Uma conversa com Jason Stanley, professor de Yale estudioso do fascismo que decidiu mudar-se para o Canadá

“Pelos meus filhos”
“Pelos meus filhos”
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Foto: NICOLAS TUCAT / AFP
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Num restaurante italiano nas proximidades do Central ­Park, em Nova York, Jason Stanley me aguardava. Em suas mãos, um livro sobre a história de um dos integrantes de sua família, judeus sobreviventes do nazismo na Alemanha, que escaparam da morte e de um regime totalitário.

Oito décadas depois, Stanley tomou recentemente uma decisão com enormes repercussões: ele optou por deixar a Universidade de Yale, onde estudava o fascismo, para mudar-se dos EUA. Não era a primeira vez que ele havia feito essa consideração. Em 2017, chegou a pensar na hipótese, no primeiro mandato de Donald Trump.

Um ano depois, Stanley publicou Como Funciona o Fascismo (Editora L&PM). Desta vez, o acadêmico considera, porém, que o risco de um colapso da democracia é real e, a partir deste mês, vai morar no Canadá. O professor transformou-se numa espécie de ator vivo de seu próprio objeto de estudo. A ameaça fascista não estava num país distante. Mas onde ele mesmo vivia.

“Em primeiro lugar, tomei essa decisão por meus filhos”, explicou. “Brasileiros sabem que, se você pode tirar seus filhos de uma ditadura militar, você o fará. Como filho de sobreviventes do Holocausto, parecia evidente tomar essa decisão, mesmo que tenhamos só uma fração do autoritarismo que o Brasil sofreu durante o regime militar.”

“Todos pensam que estão seguros até que não estejam”, alertou. “Pessoas muito menos seguras do que eu, acham que estão seguras.”

Sempre que fala do governo Trump, ele refere-se como “o regime”. “Não é mais uma democracia”, justifica. “Regime é uma noção neutra que reconhece a possibilidade de que poderemos ter algo como uma ditadura.”

O acadêmico insiste que o caráter autoritário não é estranho à construção do país. “Os EUA têm uma longa história de fascismo. Oito estados do Sul têm, em ­suas prisões, 1% de suas populações. Essa era a taxa dos gulags sob Stalin, nos anos 50”, constatou.

Stanley admite que sua saída foi uma forma de fazer uma declaração política. Em entrevistas para outros meios, ele explicou que um dos gatilhos para a sua decisão foi o comportamento da Universidade Columbia, que, na esperança de manter recursos federais, cedeu às exigências de Trump. Entre as condições estavam o estabelecimento de um controle maior sobre o que se ensinava nas salas de aula sobre Oriente Médio e restrições à liberdade de expressão. “Columbia foi um alerta”, disse.

Outro sinal preocupante para ele foi a nova diretiva do Departamento de Educação, reformulando as bases do ensino nos EUA. A avaliação de Stanley é de que ela ameaça os direitos civis, principalmente ao impor censura no ensino do racismo sistêmico. A norma, diz o acadêmico, “coloca o país no caminho do autoritarismo educacional”.

E foi justamente no campo da educação que Stanley entendeu que a ameaça poderia ser construída contra a democracia. Neste mês, seu livro Apagando a História: Como os Fascistas Reescrevem o Passado para Controlar o Futuro será publicado no Brasil (Editora L&PM).

“O Brasil é muito familiarizado com o autoritarismo e entende o que é a educação autoritária”, disse. “Não preciso explicar aos brasileiros o motivo pelo qual ataques contra a educação são parte do avanço autoritário. Brasileiros sabem disso. São os americanos brancos que não sabem”, constatou.

Stanley, que considera Paulo Freire o “maior teórico da educação desde Aristóteles”, aponta como a educação se transformou no campo de batalha da extrema-direita.

“No coração da teoria política da democracia está a educação. É nas escolas que se ensina o que é ser um cidadão democrático”, disse. “A educação tem o papel de mostrar a um cidadão que cada um de nós tem o poder de mudar um país. Se você é um regime autoritário, você precisa passar a sensação às pessoas de que não existe esse poder. Que a história é a obra de grandes homens”, indicou.

Stanley ironiza o sentimento de choque na opinião pública que a ameaça autoritária nos EUA tem causado no Ocidente. “Os europeus frequentemente me perguntam: você acha que a democracia americana está ameaçada? Dos latino-americanos, o que querem saber é quanto tempo vai durar a ditadura”, constatou.

Ele rejeita a tese de que as instituições são sólidas nos EUA e que teriam a capacidade de evitar uma onda autoritária. “Você não acredita nessa solidez, não é? Nós golpeamos as democracias latino-americanas sempre que elas estavam prestes a vingar. Como brasileiros e chilenos sabem, os EUA nunca vão ter um limite na busca por interesses corporativos”, lembrou. “Os EUA estão suscetíveis a uma ditadura por terem apoiado ditaduras. Essa é a velha tese do fascismo. O que você apoia no exterior vai, em algum momento, retornar para você”, completou. •

Publicado na edição n° 1370 de CartaCapital, em 16 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘“Pelos meus filhos”’

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