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No meio do caminho do SUS tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho do SUS

A população precisa estar organizada para defender um projeto sanitário digno, com financiamento adequado, melhor gestão e valorização dos trabalhadores

No meio do caminho do SUS tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho do SUS
No meio do caminho do SUS tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho do SUS
Vacina contra a dengue. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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“No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho…” — já dizia Drummond. No Brasil, muita gente diria que essa pedra se chama SUS: filas, demora, estrutura precária, burocracia. Um sistema que, para alguns, parece mais atrapalhar do que ajudar. Mas será mesmo?

O SUS nasceu da luta do povo. Foi criado pela Constituição de 1988 como resposta à exclusão histórica do acesso à saúde. É um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, oferecendo, de forma gratuita, desde vacina até transplante de órgãos. Antes do SUS, só quem tinha carteira assinada tinha acesso à saúde pública, porém, mesmo com esse acesso mais amplo e inclusivo, muita gente ainda desconfia do sistema. Por quê?

Essa desconfiança tem raízes profundas. Por um lado, existe a ideia de que o que é privado é automaticamente melhor, mais eficiente. Por outro, há um problema real: o SUS vive com orçamento apertado. O subfinanciamento crônico se torna mais sério quando se compreende que, na prática, o sistema acaba sendo a única opção de acesso para os 75% da população que não têm condições de pagar para ter acesso ao atendimento à saúde.

No último 9 de junho, o Ministério da Saúde, reconhecendo o problema histórico das filas, decretou uma “Situação de Urgência em Saúde Pública”. A ideia é agilizar os atendimentos especializados — como exames e cirurgias — em regiões com maior demanda, principalmente em áreas como oncologia, ortopedia, cardiologia, ginecologia, entre outras.

Isso parece bom — e é urgente, especialmente após a pandemia de Covid-19, que aumentou a demanda por atendimento especializado. A grande preocupação está em como isso será feito. O governo lançou o programa Agora Tem Especialistas, que pretende contratar hospitais e clínicas privadas para atender a demanda reprimida do SUS. Para isso, os hospitais poderão abater dívidas com o governo em troca dos atendimentos. Em outras palavras: dinheiro público que poderia ser utilizado para serviços públicos sendo direcionado aos cofres do serviço privado.

O ministro Alexandre Padilha parece partir da ideia de que o povo quer é ser atendido — seja no público ou no privado. Mas, curiosamente, em um governo que deveria valorizar o diálogo com os movimentos sociais, os empresários da saúde foram ouvidos primeiro. Sanitaristas e defensores do SUS acenderam o alerta: esse modelo pode abrir caminho para a mercantilização da saúde, o que vai contra um dos princípios mais importantes do SUS — de que saúde não é mercadoria.

E pior: pouco se fala dos cortes no financiamento do SUS nos últimos anos. Pouco se discute como fortalecer a atenção básica — que é justamente o pilar para evitar que as filas nas especialidades fiquem tão longas. Além disso, cresce o número de unidades públicas entregues à gestão de empresas privadas (as chamadas Organizações Sociais), muitas vezes envolvidas em denúncias de corrupção, má gestão e precarização dos direitos dos trabalhadores da saúde. E hora ou outra circula-se a ideia de ofertar planos populares de saúde que, obviamente, estariam muito distante da integralidade do atendimento que o SUS oferece ao povo brasileiro.

A verdade é que, para milhões de brasileiros, o SUS não é uma pedra no caminho — é o único caminho. É motivo de orgulho. É o que nos diferencia de muitos países onde saúde é um privilégio e não um direito.

Mas o que a população precisa entender é que, sim, há uma pedra no caminho do SUS: o interesse constante do mercado, que vê no sistema público uma oportunidade de lucrar com a saúde do povo brasileiro. Cabe ao governo — especialmente aos que se dizem progressistas — não perder o horizonte: saúde é um direito, não um negócio.

Diminuir as filas é urgente, mas isso não pode virar desculpa para desmontar, aos poucos, um dos maiores patrimônios do povo brasileiro. A população precisa estar atenta e organizada para defender um projeto sanitário digno, com financiamento adequado, melhor gestão e valorização dos trabalhadores que, todos os dias, doam seu tempo e dedicação para fazer do SUS um dos melhores sistemas de saúde pública do mundo.

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