Gustavo Freire Barbosa

gustavofreirebarbosa@cartacapital.com.br

Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

A taxação dos super ricos é nova chance do governo Lula

Motta mostrou o caminho para que Lula se reaproxime das mesmas bases que padecem com os contingenciamentos e o arcabouço de Haddad

A taxação dos super ricos é nova chance do governo Lula
A taxação dos super ricos é nova chance do governo Lula
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, o presidente Lula e a primeira-dama Janja. Foto: Ricardo Stuckert/PR
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A derrubada do decreto que aumentava o IOF, algo que não acontecia desde 1992, representou uma verdade que o governo Lula tem dificuldades de engolir: não estamos mais na era de ouro do presidencialismo de coalizão, onde cargos e emendas eram suficientes para garantir o apoio do Congresso. O Brasil de 2025 é bem diferente do Brasil da primeira década do século, onde o Centrão, ainda com algum pudor, usava garfo e faca.

O fato é que, desde o golpe contra Dilma e com o advento do bolsonarismo, o centrão se reconfigurou. A partir da presidência de Arthur Lira, o legislativo capturou o orçamento e inverteu os papéis do presidencialismo de coalizão. Se antes parlamentares batiam na porta de ministérios com listas de cargos e emendas, hoje são os ministros que recorrem a deputados e senadores com o pires na mão.

Este novo cenário não parece claro para o governo Lula, que vem insistindo nas fórmulas dos seus dois primeiros governos. Mesmo o acúmulo de derrotas que vem tendo no Congresso não pareceu suficiente para que puxasse o freio de arrumação. A derrota massiva na votação do IOF, porém, parece ter acendido um alerta.

A questão central é a taxação dos endinheirados num contexto em que a maior parte da carga tributária recai sobre a população de baixa renda — alvo preferencial do fisco. A disposição de Lula para negociar diminuiu diante das manobras de Hugo Motta, tidas como sorrateiras pelo Planalto, ao pautar e articular a votação que derrubou o decreto do IOF. Foram 383 votos pela derrubada e 98 contrários.

Há sinais, ainda tímidos, de que o governo decidiu sair das cordas. A ação ajuizada no STF contra a decisão do Congresso indica a percepção de que nem tudo se resolve na conversa. O recurso à Corte ocorre num momento em que sua relação com o Parlamento também está estremecida. Não é irrelevante o apoio das duas casas legislativas a projetos que visam limitar os poderes do Supremo.

A postura da Câmara revela um espaço ainda dominado pelo poder econômico, apesar das restrições ao financiamento empresarial de campanhas nos últimos anos. Sem querer, Motta & cia entregaram a um governo cambaleante e impopular o que ele precisava para tentar reverter o estado de coisas: denunciar a intenção de manter privilégios dos super-ricos às custas do suor e do sangue do povo trabalhador.

Se o STF é um aliado tático nesta conjuntura, o governo acerta ao levar o embate para um terreno onde uma vitória pode ajudar a ficha a cair. Às vezes, é melhor comprar uma boa briga e perder do que seguir evitando o confronto até que o projeto eleito em 2022 se torne irreconhecível. Motta mostrou o caminho para que Lula se reaproxime das mesmas bases que padecem com os contingenciamentos e o arcabouço fiscal de Fernando Haddad.

As disputas atuais são um ensaio das eleições de 2026, quando o bolsonarismo deve chegar fortalecido, apesar da inelegibilidade de sua principal figura. A um ano e meio do fim do mandato, o governo ainda não mostrou a que veio. Impopular, não conseguiu apresentar resultados capazes de arranhar a principal força política adversária, como mostram as urnas municipais.

Assim como o fim da escala 6×1 obteve enorme repercussão, há potencial no apelo de taxar super-ricos e aliviar a população de tributos. Mas, para isso, Lula precisa levantar a guarda e atacar, ciente de que, se a vitória é incerta no avanço, a derrota é certa no recuo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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