

Opinião
Ainda vamos colher os louros (ou os prejuízos) de termos abandonado a diversidade
A diversidade não é moda. E se for, é daquelas que voltam sempre, cada vez mais caras pra quem as ignorou antes
Chegamos no mês da diversidade. A palavra, que já foi sinônimo de modernidade, inovação e propósito, agora anda meio escondida no fundo da gaveta de marketing. A mesma empresa que dois anos atrás estampava o logo com as cores do arco-íris, que criava grupos de afinidade e tentava letrar sua equipe em questões sociais, agora prefere uma abordagem “mais neutra”. Mais “discreta”. Mais “de acordo com o momento do País”.
É o famoso “não vamos nos posicionar”. Como se omissão fosse neutralidade. Como se deixar de proteger fosse uma forma de não se envolver.
Há alguns anos, o Brasil vive uma espécie de ressaca moral, com pitadas de ressentimento. Um cansaço estratégico do progressismo. E as empresas, que antes se viram acuadas a adotarem programas de DEI pela pressão social, correram para abandonar qualquer resquício das promessas que fizeram ao primeiro sinal de que a maré estava virando. Diversidade, inclusão e equidade viraram assuntos proibidos em reuniões de liderança. Quando aparecem, surgem sob a forma de “vamos falar de cultura organizacional”, como quem disfarça um corpo enterrado no quintal.
Justiça seja feita: nem todos participaram desta debandada. Líderes com uma visão de longo alcance, que não se viram ressentidos por precisarem ver o mundo além de suas próprias realidades, continuam levando a sério estas iniciativas. Mais do que crença ou convicção pessoal, continuaram remando nesta direção por entenderem, acima de tudo, que a causa vai muito além de um trabalho humanitário.
Datas “comemorativas” como o mês de junho são importantes, não apenas para celebrações coloridas, mas para lembrar o óbvio: mesmo que a gente tente fingir que não, as pessoas “diversas” continuam lá.
Pretos, pessoas LGBTQIAPN+, mulheres, pessoas com deficiência, corpos diversos, indígenas, neurodivergentes… Elas não evaporaram. Só perderam o (pouco) direito ao discurso.
E com isso, não se engane: perdemos todos.
Porque não existe inovação sem conflito de visões. Não existe disrupção sem escuta ativa. Não existe solução criativa que venha de um ambiente onde todos pensam, falam e agem do mesmo jeito e têm o mesmo medo de perder o crachá por dizer o óbvio: que o mundo é maior do que a bolha de quem dirige.
E se isso tudo não for suficiente, lembro que não existe gestão de crise sem diversidade. Pode até existir resposta de emergência, nota oficial redonda, agência de reputação trabalhando dobrado. Mas gestão de verdade, aquela que antecipa riscos, reconhece tensões e enxerga o que está fora do radar, só é possível quando há pluralidade real nos espaços de decisão.
Empresas que levam diversidade, equidade e inclusão a sério sofrem menos nas crises. Isso não é uma utopia. É observação prática: onde há diversidade estruturada, há mais preparo, mais escuta, mais responsabilidade coletiva.
DEI não pode ser programa de aparências, nem medida paliativa no momento da dor, mesmo que esse seja um bom começo. Tem de ser política contínua, profunda, enraizada. Tem de existir quando a empresa está brilhando e também quando está se explicando.
O que está acontecendo agora é um desmonte. Um retrocesso disfarçado de pragmatismo. A diversidade está sendo silenciada em nome do “business”. Mas que estrategia é essa que ignora os dados e se baseia em medos e ressentimentos?
As empresas que hoje silenciam suas áreas de DEI são as mesmas que amanhã vão se perguntar por que seus talentos estão indo embora. Vão se questionar por que a inovação estagnou. Vão abrir pesquisas de clima e descobrir que o problema não é a falta de happy hour, é a falta de coragem.
E tudo isso pra quê? Pra agradar um público que, no fundo, nunca consumiu sua marca? Pra parecer “madura” enquanto recua em tudo que construiu nos últimos anos?
A diversidade não é moda. E se for, é daquelas que voltam sempre, cada vez mais caras pra quem as ignorou antes.
Não importa o que foi feito até ontem. Importa o que vai ser feito de hoje em diante. Não apenas pra construir o tal sonhado “mundo melhor”, mas também pra se manter no jogo, pra se manter de pé.
E se você ainda acredita em diversidade como valor e como prática, saiba que você não está só. E está no caminho certo.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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