Educação
Andressa Pellanda: Sem financiamento, o PNE não sairá do papel
Para a coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o momento é decisivo para garantir que o plano não apenas estabeleça metas, mas ofereça condições concretas para que elas se realizem


Com o novo Plano Nacional de Educação em tramitação no Congresso, movimentos da sociedade civil alertam para riscos de retrocessos e esvaziamento do texto. Para a coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, o momento é decisivo para garantir que o plano não apenas estabeleça metas, mas ofereça condições concretas para que elas se realizem.
Em entrevista a CartaCapital, Andressa defende um PNE com financiamento robusto, mecanismos de avaliação e conexão com políticas de desenvolvimento social e econômico. Ela aponta que o fracasso do plano anterior decorreu da falta de articulação federativa, cortes orçamentários e da adoção de medidas contrárias às diretrizes do PNE, como a militarização de escolas. “Não podemos repetir esse cenário”, alerta.
Confira os destaques a seguir.
CartaCapital: Quais são as principais reivindicações da Campanha neste momento de emendas?
Andressa Pellanda: Propomos emendas para fortalecer o novo PNE porque o mundo enfrenta crises múltiplas e interligadas, que exigem um novo paradigma. Não basta adaptar políticas antigas com retoques superficiais. As transformações dos últimos dez anos foram profundas e as próximas décadas trarão mudanças ainda mais aceleradas. O novo plano precisa enfrentar a crise climática, o declínio das democracias, o avanço de autoritarismos discriminatórios e as desigualdades estruturais.
Por isso, defendemos um financiamento robusto, com mecanismos claros de implementação e avaliação. Sem isso, as metas não sairão do papel. Também é essencial que a educação ambiental esteja integrada ao currículo e às práticas escolares — da alimentação à gestão sustentável dos recursos.
CC: Como a Campanha avalia o texto encaminhado pelo governo?
AP: O projeto de lei 2614/2024 apresenta avanços, como a retomada da meta de 10% do PIB em educação, vinculada ao Custo Aluno-Qualidade (CAQ). No entanto, há falhas graves: falta conexão entre a política educacional e os planos de desenvolvimento econômico e social; não há definição de novas fontes de receita nem proteção contra cortes no orçamento.
A educação profissional segue vulnerável à privatização, e há uso de indicadores inadequados, como o gasto por aluno em comparação à média da OCDE — o que desvia o foco do CAQi/CAQ. Também faltam diretrizes robustas em temas como justiça climática, direitos humanos e proteção a grupos marginalizados, como a população LGBTQIAP+, migrantes e refugiados. A integração com políticas de cultura, esporte e saúde é negligenciada. Metas de valorização docente e combate às desigualdades precisam ser reforçadas para não repetirmos os erros do passado.
CC: A que você atribui a baixa execução do PNE atual? E o que precisa mudar?
AP: O fracasso do plano anterior tem raízes estruturais. Faltou articulação com o desenvolvimento econômico e social. Faltou orçamento. A instabilidade política e as políticas de austeridade inviabilizaram avanços. A ausência de um sistema federativo eficaz, como o Sistema Nacional de Educação, e de avaliação institucional, como o Sinaeb, impediu o monitoramento e a correção de rumos.
Além disso, políticas contrárias ao PNE, como a militarização de escolas, e uma visão restrita à aprendizagem — como a da BNCC e da reforma do Ensino Médio — desconsideraram fatores essenciais como infraestrutura, formação docente e a realidade socioeconômica dos estudantes. Também faltou alinhamento entre o plano educacional e os instrumentos orçamentários das três esferas de governo.
CC: Qual é o cenário político para a tramitação do novo PNE?
AP: As principais ameaças são as pressões para simplificar o texto, alinhá-lo a agendas ideológicas censuratórias e reduzir seu alcance com o argumento de adequação fiscal. Há risco de retrocessos ainda maiores em temas como gênero e diversidade, que já foram minimizados pelo Executivo.
Outro perigo é o discurso de que o plano anterior fracassou por ser complexo demais. Esse argumento, além de falso, pode justificar a retirada de direitos e a eliminação de mecanismos de fiscalização. Tudo dependerá da mobilização da sociedade civil para evitar que o novo PNE seja aprovado às pressas, sem os avanços necessários — ou, pior, com retrocessos disfarçados.
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