Política
A solução do governo Lula para encerrar conflitos na desocupação da Favela do Moinho
O acordo entre União e estado encerra dias de confrontos entre a PM e moradores que resistiam à demolição sem uma compensação justa


Após dias de confrontos entre a Polícia Militar e moradores, representantes do governo Lula (PT) e da gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) se reuniram, na manhã desta quinta-feira 15, para acertar os novos termos da desocupação e da cessão do terreno da Favela do Moinho, a última comunidade do centro da cidade de São Paulo.
Em ação conjunta, o governo federal destinará 180 mil reais em subsídio pelo programa Minha Casa, Minha Vida para famílias do Moinho que ganham até 4.700 reais. A gestão estadual complementará com 70 mil reais por meio do programa Casa Paulistana, totalizando 250 mil reais para os desalojados adquirirem uma nova moradia. Durante o processo de compra dos imóveis, as famílias serão amparadas com um auxílio-aluguel de 1.200 reais.
Segundo o ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), trata-se de um modelo semelhante ao que foi aplicado no Rio Grande do Sul após as enchentes de 2024.
“Vamos adquirir esses imóveis prontos ou em finalização. Além disso, as famílias terão a oportunidade de procurar suas habitações”, declarou. “Também mudaremos o processo de deslocamento para que seja o mais pacífico possível durante a saída dessas famílias.”
O novo modelo de compensação para moradores do Moinho valerá também para aqueles que já desocuparam suas casas e assinaram a oferta original da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do estado, que propunha cartas de crédito em parceria com programas federais e o Auxílio-Moradia Provisório de 800 reais até que as habitações estivessem prontas – neste acordo, famílias deslocadas arcariam com financiamentos de longo prazo para imóveis de até 300 mil reais.
O terreno onde está a Favela do Moinho pertence à União. Para que haja a cessão ao estado de São Paulo, reforçou Jader, o governo Tarcísio se comprometeu a encerrar quaisquer ações violentas no território durante todo o processo de desocupação.
“Obviamente, se houver qualquer violência nesse processo de transição, vai inviabilizar o acordo. Como podemos fazer políticas públicas atreladas à violência? Não há cabimento nisso”, concluiu o ministro.
A reportagem de CartaCapital esteve na Favela do Moinho durante o anuncio do novo acordo, que despertou reações de alegria em moradores, após dias de tensão e violência.
“Moradia não é mercadoria. A gente tem de ser exemplo para as outras comunidades do Brasil”, disse Yasmin, presidenta da associação de moradores do Moinho. “É isso que a gente sempre cobrou: moradia com dignidade.”
Teresa Quispe, peruana que vive há 30 anos no Brasil, também recebeu a notícia com alívio. “Tenho três filhos, sou mãe solteira. O único lugarem que consegui minha casa foi aqui, no Moinho, há dez anos.”
Maria, de 52 anos, lamentou a saída da favela, mas se disse contente com os termos do acordo. “Aqui é perto de tudo, mas agora fico muito feliz sabendo que vou precisar me preocupar em pagar só as minhas contas de água e luz, o que eu usar”, afirmou. “Estou entregando uma casa que já está paga e vou receber outra já paga. Esse é o justo.”
Também presente durante as mobilizações, a deputada estadual Ediane Maria (PSOL-SP) também comemorou o acordo proposto pelo governo federal.
“Temos a garantia de que essas moradias vão ser chave na chave, que ninguém vai ficar com uma dívida de 30 anos. O povo estava morrendo de medo de adquirir uma dívida sem sequer ter renda para honrá-la. Olha a diferença de um governo que está preocupado com o povo em relação a um estado que só queria mostrar sua força, sua repressão, sua violência, avaliou.
“A favela do Moinho deu uma resposta muito clara, direta, de luta por dignidade, por manter tudo que conquistou em quatro gerações aqui no centro de São Paulo”, completou a parlamentar.
Como ocorreu a desocupação do Moinho
Localizada sob o viaduto Engenheiro Orlando Murgel, entre as linhas 7-Rubi e 8-Diamante da CPTM, nos limites dos bairros de Campos Elíseos e Bom Retiro, a Favela do Moinho abrigava cerca de 900 famílias em moradias irregulares.
A área da favela pertence ao governo federal, razão pela qual surgiu o diálogo em torno da cessão do terreno à gestão de Tarcísio de Freitas, que deseja desocupar o local para transformá-lo em um parque.
O governo de São Paulo iniciou em 22 de abril a remoção das famílias. A justificativa é que a área precisa ser desocupada por razões de segurança, incluindo a circulação dos trens.
De acordo com a Companhia de Desenvolvimento Urbano e Habitação paulista, 86% dos moradores aderiram à proposta inicial. Muitos se diziam, porém, arrependidos: porque não desejavam se afastar do centro ou porque temiam não conseguir honrar a dívida, a ser quitada ao longo de 30 anos. Outro ponto de contestação era o menor acesso a creches, oportunidades de trabalho e infraestrutura necessária para as famílias nas zonas em que as novas moradias haviam sido 0ferecidas.
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