Josué Medeiros

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Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

O Dia do Trabalhador faz 100 anos — e a luta continua

O centenário do 1º de Maio no Brasil relembra as raízes de resistência e aponta os desafios da nova classe trabalhadora

O Dia do Trabalhador faz 100 anos — e a luta continua
O Dia do Trabalhador faz 100 anos — e a luta continua
Foto: Agência Brasil
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Em 2025, o Brasil celebra o centenário do feriado do Dia do Trabalhador, em 1º de maio. A data pede uma comemoração à altura: com luta e também com avanço na compreensão sobre o mundo do trabalho atual.

Cem anos atrás, o feriado foi instituído como Dia do Trabalho — e essa disputa semântica permanece viva. As elites tentam capturar a celebração com uma visão corporativista, segundo a qual o trabalho seria a engrenagem que une a sociedade: os trabalhadores (os músculos) e os patrões (o sangue), mediados pelo Estado (a cabeça desse organismo).
Já os sindicatos e movimentos trabalhistas sempre batalharam pela primazia da identidade do trabalhador, valorizando as lutas sindicais e sociais, e as conquistas de direitos que, ainda hoje, assim como em 1925, estão longe de serem universais.

A verdade é que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) jamais alcançou toda a classe trabalhadora. As primeiras jornadas de luta foram protagonizadas por trabalhadores urbanos sem direitos — muitos deles negros, ex-escravizados ou seus descendentes — que carregavam para as mobilizações sindicais a memória viva da resistência contra a escravidão.

Entre o final do século XIX e o começo do XX, as greves eram a face mais visível da mobilização: paralisavam fábricas, cidades, e mobilizavam amplos setores da população. Ao lado delas, uma rede de solidariedade cotidiana, invisível aos olhos dos patrões, se firmava — caixas de assistência mútua, pequenos atos de resistência no chão de fábrica — numa continuidade das estratégias de sobrevivência forjadas no cativeiro.

A resposta das elites, agora sob a República, seguiu o roteiro conhecido da Casa Grande: repressão brutal, prisões, demissões, deportações e assassinatos. Mas, ao contrário do que esperavam, a violência apenas solidificou a consciência coletiva da classe trabalhadora.

Nos anos 1930, o projeto corporativista se consolida: o Estado, além da repressão, passa a incorporar parte das demandas trabalhistas dentro de um projeto nacional sob hegemonia das elites. Direitos são garantidos por lei, mas a identidade do Trabalho, separada da identidade da classe trabalhadora, se fortalece. A repressão, contudo, nunca cessou.

A luta persistiu, ampliando o alcance da CLT para novos segmentos, como os trabalhadores rurais. A dinâmica de incorporação e repressão estatal permaneceu ativa. É impossível esquecer que o golpe militar de 1964 se legitimou como reação contra a chamada “República Sindicalista”: nos primeiros meses do regime, milhares de sindicalistas foram presos e cassados.

Não por acaso, a redemocratização escapou ao controle das elites justamente através das greves — as maiores que o país já testemunhou. Do ABC de Lula às greves sem apoio sindical em São Paulo, das paralisações de professores às mobilizações dos canavieiros em Pernambuco, um Brasil diverso ergueu-se pela base.

Dessas lutas nasceram o primeiro partido de massas das classes populares, o Partido dos Trabalhadores (PT), e o primeiro presidente oriundo da classe trabalhadora, com a eleição de Lula em 2002. Muitos direitos foram conquistados, outros, perdidos — especialmente após o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, e os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Hoje, a realidade ecoa a de cem anos atrás. Direitos e organização sindical estão fragilizados. Persistem os trabalhadores “tradicionais” — das indústrias e dos serviços — submetidos a jornadas extenuantes e a patrões autoritários. A luta pelo fim da jornada 6×1 emerge desse núcleo.

Paralelamente, surge uma nova classe trabalhadora: entregadores, camelôs, manicures, vendedores de comida, entre tantos outros, que atuam sob a mediação brutal das plataformas digitais. Trabalham sem direitos, submetidos a algoritmos opacos, sem transparência ou regulação. Seus ofícios não são inéditos, mas a dinâmica social do trabalho foi redesenhada pela internet e pelas redes digitais.

Que o centenário do Dia do Trabalhador seja marcado pela unidade e solidariedade entre todas as classes trabalhadoras brasileiras — na luta por um mundo de direitos, dignidade e justiça social.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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