Augusto Diniz | Música brasileira
Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.
Augusto Diniz | Música brasileira
Morte de Nana Caymmi, com sua voz incomparável, deixa um enorme vazio na música
A cantora preferiu um repertório clássico, mas esteve no nível de Gal Costa e Maria Bethânia


A morte de Nana Caymmi, aos 84 anos, nesta quinta-feira 1º, deixa na música brasileira um vazio muito maior do que se possa imaginar. Ela tinha uma das vozes mais imponentes de sua geração e pode ser lembrada no nível de Gal Costa e Maria Bethânia. O que difere as duas baianas da filha de Dorival Caymmi é o repertório.
Nana Caymmi optou, ao longo de toda a carreira, por um repertório clássico, dedicando-se a interpretar boleros, sambas-canção, sambas leves e canções de amor. Manteve-se firme nesse caminho, o que impediu sua potente voz de chegar a audiências maiores, principalmente ao público mais jovem.
O temperamento explosivo e a postura conservadora também afetaram sua força musical. É uma pena, porque Nana Caymmi tinha uma capacidade vocal rara na história da música brasileira.
Seus dois últimos álbuns, Nana Caymmi Canta Tito Madi (2019) e Nana, Tom, Vinicius (2020), oferecem interpretações em um nível extraordinário para quem já beirava os 80 anos de uma vida um tanto desregrada.
Gostava de cantar com piano, bateria com pegada suave, baixo acústico e sopros nas pausas entre os versos — e seguiu assim, com raras exceções. Ela também se cercou de arranjadores e instrumentistas refinados, capazes de entender e respeitar sua magnífica extensão de voz — muito bem dosada, sem exageros.
Seu grande sucesso veio em 1998, com a obra-prima Resposta ao Tempo, de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc. O disco de mesmo nome é um primor, e a regravação de Não se Esqueça de Mim (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), com a participação de Erasmo, é um registro antológico.
Sua primeira gravação aconteceu em 1960, com a música Acalanto, no disco do pai, que havia feito a canção de ninar para ela. O primeiro álbum de estúdio seria gravado três anos depois.
Há três discos de Nana da década de 1970 que exibm todo o seu poder de interpretação: Nana Caymmi (1975) – com gravação de Só Louco (Dorival Caymmi) —, Renascer (1976) e Nana (1977) – neste, gravou Cais (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos), com uma voz à altura da interpretação de Milton Nascimento, algo raríssimo.
Não há como negar que o ambiente familiar ajudou Nana Caymmi. Ela iniciou a carreira gravando composições iluminadas do pai; do irmão Dori, um músico e arranjador de excelência, gravou canções e recebeu ajuda em alguns projetos.
Há diversas gravações da família Caymmi, inclusive com a presença de Dorival, como em um disco lançado em 1987. Mas um álbum de 2004, celebrando os 90 anos do pai, com Nana, Dori e Danilo (irmão mais novo e excelente músico), é um marco.
Nana Caymmi nos deixa a sua brilhante e incomparável voz.
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