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O marketing da larica

Da família tradicional para os consumidores de cannabis, uma marca de bolinhos explora novos mercados

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Pense em uma marca de bolinhos recheados que frequentou as lancheiras das crianças e as refeições das famílias durante cem anos. Essa é a Hostess, dos EUA. Seus produtos Twinkies, Ding Dong e Donettes, uma linha de doces assados, embarcaram numa nova estratégia de marketing. O foco? Os consumidores de cannabis.

Em 2023, a Hostess foi comprada pela JM Smucker por 4,6 bilhões de dólares. Após a aquisição, o marketing da empresa optou por retirar de cena o personagem da marca, um bolinho com chapéu de ­cowboy e botas, adotando uma estratégia bem mais ousada. Criou o Munchie Mobile, um veículo promocional muito semelhante aos carrinhos de sorvete que vemos em filmes. A peculiaridade é que o Munchie Mobile tem dado um rolê pela Costa Leste dos EUA. São vários veículos da empresa que, sempre às 16h20, param em frente aos pontos de venda legalizados de cannabis e distribuem seus produtos gratuitamente. O horário escolhido (4h20), tem relação com o dia 20 de abril, um feriado extraoficial considerado icônico pela contracultura norte-americana.

A comemoração pegou em algumas regiões. Restaurantes montam os cardápios chamados de “420”. Durante um tempo circulou uma história relacionando os números a um lançamento de ações da Tesla, por Elon Musk, por 420 dólares. Ele negou qualquer relação. Mas as lendas urbanas surgem a partir de boatos do tipo. A Hostess amargava uma queda de vendas ao redor de 7%, atribuindo o desempenho à alta das vendas dos inibidores de apetite. A estratégia parece ser alcançar os consumidores quando eles têm mais fome.

A nova onda conservadora nos EUA pode comprometer a iniciativa, mas a aposta ousada tem uma ponta de oportunidade. Quando a maioria dos negócios vira o leme para a direita, o tráfego fica nublado. Talvez o espaço para dar um rolê num segmento no qual as nuvens sejam mais leves pode gerar bons frutos. O que sabemos é que o apetite para consumir doces depois de passar por uma dessas lojas aumenta muito. E na hora da larica ninguém enrola para comer um docinho.

Apple sem tarifas

A Apple livrou-se, ao menos por enquanto, das tarifas impostas pelos EUA aos produtos importados da China. Ela foi uma das empresas que, assim que decretado o tarifaço, tiveram perdas robustas em suas ações e uma elevação de preços ao consumidor. A marca, querida pelos norte-americanos, chegou a divulgar que estaria em busca de novos locais para montar seus produtos, inclusive no Brasil.

Agora o governo Trump isentou a ­Apple do aumento das tarifas. Outras empresas também foram contempladas e circula a informação de que a Casa Branca deve tratar caso a caso alguns setores. A decisão, embora considerada racional pelos analistas de mercado nos EUA, constrói uma percepção de que Trump deu um passo sem medir o seguinte. Com a reação da Europa, do Canadá e, especialmente, da China, ele tem feito declarações erráticas, com idas e vindas. A verdade é que, se ele isentar todas as empresas do país que produzem na China, manterá em alguns setores a atividade econômica da nação asiática nos segmentos contemplados.

Além da Shein

Tarifa de lá, tarifa de cá. E o mundo está de olho no que vai acontecer com essa guerra comercial. Aparentemente, ela tem remédio. Literalmente. Ao menos é o que acredita Michelle Xia, que em 2012 fundou, com outros dois pesquisadores, a Akeso, na cidade de Zhongshan, distante cerca de 100 quilômetros de Hong Kong. A empresa é uma gigante farmacêutica, disposta a brigar pela liderança no mercado de produtos para o câncer.

Xia estudou e trabalhou em universidades e empresas de ponta no Reino Unido e nos EUA. Retornou à China em 2008 e viu uma lacuna em pesquisas avançadas no setor farmacêutico no país. Negociou com investidores, construiu uma primeira unidade de produção, criando um conglomerado, influenciando novos negócios no setor.

Hoje, a China tem centros de pesquisa em biotecnologia e desenvolvimento de produtos em associação com os maiores laboratórios do mundo. A Akeso, inclusive, tem produtos aprovados pela FDA. Atualmente, a empresa desenvolve um anticorpo bioespecífico, o ivonescimabe, que tem como característica atuar em duas­ frentes com proteínas distintas. Uma fortalece o sistema imunológico para matar as células cancerígenas e a outra elimina o suprimento sanguíneo dos tumores.

Testado em pacientes chineses, o medicamento apresentou o dobro da eficiência do que aquela dos tratamentos tradicionais. Certamente, em breve, estaremos consumindo medicamentos chineses. Ou talvez estejamos, só que em caixinhas de farmacêuticas norte-americanas ou da Europa. •

Publicado na edição n° 1358 de CartaCapital, em 23 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O marketing da larica’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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