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Quinta série

A Casa Branca brinda o mundo com decisões erráticas e ímpeto infantil

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Advinha quem é o aluno atrasado desta turma? Abaixo, o cartão que, ao custo de 5 milhões de dólares, dá direito a morar nos Estados Unidos e a carregar no bolso uma foto do “maior presidente” de todos – Imagem: Daniel Torok/Casa Branca Oficial e Mandel Ngan/AFP
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Anda difícil a vida de comediante nos Estados Unidos desde a chegada de Donald Trump e sua trupe circense à Casa Branca. É uma tarefa desumana competir com o espetáculo diário e infindável proporcionado pelos novos inquilinos do poder em ­Washington. O republicano e assessores não têm economizado em pronunciamentos desastrosos, disputas infantis por poder, falta absoluta de traquejo com a função de administrar a maior economia do mundo, deslizes constrangedores e decisões incoerentes. Quem melhor resumiu o clima foi a secretária de imprensa do governo, Karoline Leavitt, ao comentar as trocas de farpas públicas entre o “copresidente” Elon Musk e Peter Navarro, principal conselheiro comercial de Trump. “Garotos são assim mesmo”, declarou a porta-voz. “Vamos deixar a briga continuar.” O menino Musk havia chamado Navarro de “mais burro que um saco de tijolos” e “retardado perigosamente burro”. O pirralho assessor retrucou. Segundo ele, o bilionário mimado não passa de “um montador de automóveis”. Leavitt, por sua vez, aceitou o papel de juíza da disputa de cuspe.

Nada supera, porém, a cartolina apresentada por Trump com contas de padaria que deu origem ao tarifaço global aplicado pelos Estados Unidos. Nem os pinguins das Ilhas McDonald foram poupados da sanha arrecadatória. Mas há quem se esforce para superar o mestre. Como esquecer a competência dos integrantes da rede de inteligência e segurança nacional que incluíram por engano o editor-chefe da revista The Atlantic no grupo de bate-papo sobre os planos de ataques dos EUA no ­Iêmen? A defesa da maior potência nuclear do planeta está em boas mãos. Ou fato de Laura Loomer, influenciadora de extrema-direita, ter o poder de provocar a demissão de funcionários do governo na primeira semana, incluindo integrantes do Conselho de Segurança Nacional? À rede de tevê CNN, fontes revelaram que, durante uma reunião, Loomer (não se sabe exatamente o que ela fazia lá) teria aconselhado o republicano a se livrar de gente “desleal” de sua equipe. E, pior, foi atendida. Parece ser o caso de levar a sério a carraspana dada pelo filho de 4 anos de idade de Musk, que fez questão de dizer quem manda no pedaço. “Cale a boca, você não é o presidente”, disparou o protótipo de oligarca a um desconcertado Trump.

As redes sociais do governo viraram uma ferramenta de bullying, enquanto os assessores se engalfinham

Curiosa também é a posição dos bilionários na fila do gargarejo na posse do republicano, que prometeu uma “era de ouro” nos EUA, mas provavelmente entregará uma recessão. Em menos de cem dias de mandato, Trump atingiu o órgão mais sensível de velhos e novos aliados, o bolso. Desde o anúncio do tarifaço no chamado “Dia da Libertação”, as ações das companhias norte-americanas passaram a derreter na Bolsa e a hostilidade global atingiu novos patamares, o que dificulta os negócios. Banqueiros de Wall Street classificaram as medidas de “estupidez tarifária”. A começar por Musk, a turma do Vale do Silício tem feito uma romaria ao Salão Oval para pedir uma pausa na guerra tarifária. A esmagadora maioria da população se opõe ao protecionismo. Os protestos recentes em várias cidades indicam que a “lua de mel” do eleitorado acabou bem antes do previsto. Diante da pressão, Trump preferiu dobrar a aposta. A escalada em relação à China foi respondida na mesma moeda e ninguém sabe ao certo até onde a corda será esticada.

Enquanto isso, as redes sociais da Casa Branca incorporam o padrão quinta série. A página oficial do governo na plataforma X, o antigo Twitter, deixou de operar como espaço de informação pública para virar uma ferramenta de bullying e memes bem típicos dos devotos do MAGA. Mistura intimidação e sociopatia. Em fevereiro, após começarem a circular os rumores de que o presidente tentaria um terceiro mandato, apesar de constitucionalmente impossível, uma foto gerada por Inteligência Artificial transformou-o em um monarca, coroa na cabeça e a legenda “vida longa ao rei”. Em 27 de março, a conta no X zombou da prisão da dominicana ­Virginia ­Basora-Gonzalez, detida pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA sob a acusação de tráfico de fentanil. A fotografia da prisão de Gonzalez, uma imagem da mulher chorando algemada, foi convertida para o estilo Ghibli. Em resposta às críticas, Kaelan Dorr, diretor adjunto de Comunicação da Casa Branca, escreveu: “As prisões continuarão. Os memes continuarão”.

Os memes e os emojis à moda do “tipo do pavê” espelham o narcisismo do presidente. Tornaram-se cada vez mais constantes as autorreferências elogiosas de Trump nos discursos e entrevistas. O republicano se definiu, desde a posse, como o “maior presidente que Deus já criou”, o “menos racista”, “o maior defensor das mulheres”, o que possui os “melhores campos de golfe do mundo” e aquele que adora “demitir grandes incompetentes”, embora tenha mantido no cargo os responsáveis pelo vazamento dos planos de ataque ao Iêmen. Não espanta, portanto, o lançamento do gold card estampado com a foto do imperador. Pela bagatela de 5 milhões de dólares, cerca de 30 milhões de reais na cotação dos últimos dias malucos, os interessados poderão comprar residência permanente e cidadania ocasional no país. Ter a esfinge do magnata no cartão que dá acesso a esses benefícios é um “plus a mais”, diriam os repórteres de celebridades. Quem abriria mão da honra de portar um Trump card? Neste caso, rir é o único remédio. •

Publicado na edição n° 1357 de CartaCapital, em 16 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Quinta série’

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