Fora da Faria
Uma coluna de negócios focada na economia real.
Fora da Faria
10 efeitos (e oportunidades) no mercado após as tarifas de Trump
Com a guerra tarifária entre EUA e China, o Brasil surge como alternativa estratégica para produção, exportação e atração de investimentos


As tarifas protecionistas de Donald Trump, somadas ao seu discurso, provocaram debates em todo o mundo. Líderes globais manifestam-se nos meios de comunicação, alguns em tom apocalíptico, outros vaticinando o fim da globalização. A leitura faz sentido: as medidas de Trump recolocam o desenvolvimento nacional com foco no mercado interno no centro da agenda.
Essa guinada econômica reflete um pensamento político que desafia pilares da economia global. As tarifas são o verbo central da política trumpista. As análises indicam possíveis mudanças drásticas na macroeconomia. É preciso ir além. Tento aqui uma ousadia: antecipar movimentos que devem impactar o consumo e a economia local.
1) A China busca novos mercados
As tarifas de importação impostas pelos EUA exigem da China a preservação de sua estabilidade produtiva e comercial. Com base em preços competitivos, o país asiático precisa manter a demanda. A redução do consumo norte-americano exigirá reposicionamento. América do Sul e Europa ganham prioridade. O Brasil torna-se, mais do que nunca, estratégico.
2) Estratégia de preços e alianças
A tentativa chinesa de manter e ampliar sua produção pode levar a uma ofensiva de preços. Setores como vestuário, calçados e utilidades domésticas estão atentos. Alimentos e bebidas devem ser menos afetados, pois não são foco da indústria chinesa. Já os eletrônicos podem ter ajustes, ainda que grande parte já venha da própria China. Marcas consolidadas podem usar poder de barganha para ganhar mercado no Brasil. Parcerias e aquisições de empresas locais também devem crescer — ativos brasileiros estão relativamente baratos.
3) Expansão do setor automotivo
Montadoras chinesas, como a BYD, avançam com modelos elétricos e híbridos. Novas marcas se aproximam. A Xiaomi, que previa chegar com seus carros à América do Sul em 2026, pode antecipar planos. A GWM deve abrir fábrica em São Paulo ainda este ano. A concorrência se intensifica. O Brasil e a Europa são alvos dessa expansão.
4) Logística sul-americana no radar
Atuar na América do Sul exige ganho logístico. O projeto Rotas de Integração, que liga o Atlântico ao Pacífico, pode reduzir em até dez dias o tempo de operação. O Brasil tem potencial para se tornar entreposto estratégico. A China acompanha de perto e investe no porto de Santos.
5) Engenharia e infraestrutura
A presença chinesa em infraestrutura deve crescer. Além do porto de Santos, há participação em obras como a ponte Salvador-Itaparica e em várias licitações. O setor de construção civil deve enfrentar maior competição.
6) Retaliação chinesa ao agro dos EUA
Em resposta às tarifas, a China restringiu importações de produtos agropecuários norte-americanos. O Brasil tem expertise e estrutura para ocupar esse espaço. O avanço das exportações pode gerar emprego e renda em regiões produtoras como Centro-Oeste, interior paulista e Rio Grande do Sul — o que impulsiona o consumo local.
7) Estratégia China+1 favorece Brasil
Antecipando tensões comerciais, empresas chinesas já adotaram a estratégia China+1, com novas fábricas no Vietnã, Mianmar e Indonésia. Se o Brasil se firmar como polo de consumo, pode atrair plantas industriais. A produção local pode abastecer América Latina, EUA (onde tarifas são mais brandas para o Brasil) e Europa. O Nordeste se destaca: custos mais baixos e o porto de Suape favorecem exportações.
8) Emprego, qualificação e tecnologia
O fortalecimento dos mercados locais exigirá geração de emprego qualificado. O setor de tecnologia está em expansão, com vagas abertas. A tendência é de crescimento da educação técnica, em especial via EAD. Isso também pode ajudar o país a se inserir no setor de inteligência artificial — que exige data centers potentes e acesso à energia. O Brasil tem vantagem hídrica e territorial.
9) Empresas americanas também migram
Grandes empresas dos EUA, especialmente do setor tecnológico, buscam alternativas produtivas fora da China. O Brasil aparece como opção. Circularam rumores, na última semana, sobre uma possível iniciativa da Apple no país. Com logística favorável e proximidade dos EUA, Norte e Nordeste podem sair na frente.
10) Oportunidade disfarçada de crise
“Não importa a cor do gato, o importante é que ele cace ratos”, dizia Deng Xiaoping. Em vez de focar nas dificuldades, o Brasil pode mirar as oportunidades. Trump quer reindustrializar os EUA. O Brasil pode seguir caminho semelhante. Produção é a base para um projeto nacional sustentável.
A frase de Stefan Zweig — “Brasil, país do futuro” — ainda ecoa para quem viveu a industrialização. Talvez o futuro esteja chegando. Pode ser otimismo. Mas o pessimismo imobilizante é uma escolha. E, pessoalmente, prefiro os que tentam fazer a coisa certa.
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