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O trem caipira

Romeu Zema ainda sonha em disputar a Presidência da República em 2026, mas tem telhado de vidro

O trem caipira
O trem caipira
Matuto enfezado. Zema tenta se equilibrar entre o político do “cafezim” e do pão de queijo e o implacável crítico do PT – Imagem: Redes Sociais Agência Estado de Minas/GOVMG
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Com a inelegibilidade de Jair Bolsonaro cada vez mais assegurada, a candidatura da extrema-direita em 2026 está em aberto. Os antagonistas do presidente Lula fazem seus ensaios para ver quem assume o espólio e o capital político bolsonarista. “O cenário é desafiador”, resume Paulo Ricardo Diniz Filho, professor do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal de Minas Gerais. O governador paulista, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, lidera a bolsa de apostas, por ter apoio de parte da mídia e da Faria Lima, mas não está sozinho. Apesar de aparecer com raquíticos 3% nas pesquisas de intenção de votos, seu colega mineiro, Romeu Zema, filiado ao Novo, anda seduzido pelo canto da sereia. “Sou um soldado do partido”, declarou na saí­da do seminário Rumos 2025, organizado pelo jornal Valor Econômico, em São Paulo, no último mês. “Zema é um candidato em construção”, avalia Diniz.

O governador até abandonou o jeito mineiro de fazer política. De uns tempos para cá, o desenxabido Zema partiu para o ataque. Não perde uma oportunidade para criticar Lula, em baixa na popularidade, nem mesmo quando o petista anuncia investimentos no estado. O tom belicoso é obra do seu novo marqueteiro, Renato Pereira, conhecido por atuar nas campanhas de Sérgio Cabral e Aécio Neves. Em boa medida, busca-se um equilíbrio entre a agressividade aplaudida pela claque bolsonarista e os trejeitos de Jeca Tatu, de homem simples, exibidos nas redes sociais. “Durante os últimos meses, ele nos levou para dentro de sua rotina doméstica, fez ginástica, faz o seu próprio “cafezim”, assou fornadas de pães de queijo e até lavou louça”, observa a cientista política Jaqueline Morelo. “Zema postou vídeos no TikTok e foi personagem de centenas de memes. Viralizou. Sem ser ator, muito menos comediante, exerceu o papel de matuto simpático.”

O governador trocou de marqueteiro e anda mais incisivo nas críticas a Lula

A personagem não resistiria, no entanto, a um rápido escrutínio de sua administração. Uma ligeira análise dos dados joga por terra a imagem de gestor competente e austero, em contraponto ao que seria o estilo “gastador” de Lula. “Não temos um governador de austeridade, mas um que comete estelionato eleitoral, que aumenta seu salário em 300% e gasta, só de sacolão, 6 mil por semana”, critica o deputado estadual do PV Professor Cleiton. Os gastos do governador com fornecimento de gêneros alimentícios para o Palácio Tiradentes, sede do governo estadual, custaram 307,6 mil reais em 2023. Na cesta básica do governador só havia iguarias e bebidas de luxo, como presunto de Parma, vinhos e outros itens refinados. Com o reajuste do próprio rendimento, seu salário passou de 10,5 mil para 41,8 mil. E agora ele não doa mais os vencimentos, como prometeu em campanha. “O problema é ainda mais grave porque o governo mantém cerca de 40 mil trabalhadores, como as cantineiras das escolas públicas, ganhando menos que um salário mínimo”, denuncia a deputada estadual Beatriz Cerqueira. Além de receberem menos, diz a parlamentar petista, os trabalhadores perdem tempo de contribuição para aposentadoria e acesso a benefícios como auxílio-doença, pois o INSS não reconhece os contratos abaixo do mínimo.

O governador não faz o “dever de casa”, afirmam os críticos, e investe muito pouco em segurança, saúde e educação. Por isso, vive em conflito com os deputados estaduais. “O governo tem abandonado a segurança pública. Faltam equipamentos e efetivo. Há um crescimento dos índices de criminalidade e violência, além do avanço de facções criminosas, como o PCC e Comando Vermelho”, acusa o indignado Sargento Rodrigues, do PL, bolsonarista de primeira hora. No último mês, o governo enviou um recado aos parlamentares e ao funcionalismo. “Não haverá reajuste salarial em 2025, por culpa do Lula”, anunciou o vice-governador, Mateus Simões. “Falácia, o governo tem em caixa mais de 34 bilhões de reais”, afirma e comprova um dirigente do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do estado. A entidade publica diariamente, em seu site, um “mentirômetro” acerca das receitas e gastos da administração.

Segunda classe. Funcionárias das cantinas ganham menos do que determina a lei – Imagem: Dirceu Aurélio/Agência Estado de Minas/GOVMG

O embate constante com o governo federal prejudica a população, entende o vereador petista Pedro Rousseff, sobrinho da ex-presidente Dilma. “O Zema não alivia nem mesmo no preço da alimentação, com a alta da cobrança de impostos”. Rousseff denunciou os efeitos da política local. Uma peça de picanha no estado ­custa 18% a mais do que no resto do País. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, também criticou o decreto que elevou o preço da carne. Segundo ele, o governador “zomba da cara do povo mineiro dizendo que uma maneira de combater a alta dos alimentos é comer banana com casca”.

Para o deputado federal Rogério Correia, do PT, “o governo Zema é um desastre”. Até mesmo em relação ao que ele se propôs a fazer. Sob seu comando, a dívida do estado cresceu 53% e chegou a 165 bilhões de reais. O Professor Cleiton levanta ainda dúvidas sobre o suposto superávit neste ano. “A peça orçamentária do governo é uma ficção. De repente você tem um déficit de 8 bilhões de reais, no fim do ano passado, e, em janeiro de 2025, anuncia uma sobra de 5 bilhões?”

Sob Zema, a dívida do estado cresceu 53%. Milhares de funcionários recebem menos que o mínimo

Com ou sem dinheiro no caixa, Zema notabilizou-se por ser um Robin Hood às avessas. Tira dos mais pobres e dá aos abonados. Segundo a Lei Orçamentária, válida até 2028, o governo ampliará os benefícios fiscais dados a empresas. As renúncias de ICMS e de IPVA chegarão a 147 bilhões de reais, valor bem próximo da dívida do estado com a União. No caso do ICMS, a renúncia mais do que triplicou nos últimos seis anos, de 4,7 bilhões em 2018 para 19,1 bilhões de reais agora. Os benefícios com o incentivo fiscal do IPVA também dispararam. Eram 95 milhões em 2018 e passaram a 2,5 bilhões de reais em 2025. A previsão é chegar a 3,3 bilhões em 2028. Minas Gerais é o paraíso das locadoras de automóveis. A Localiza é uma das grandes beneficiadas. Os sócios da empresa não só doaram 5 milhões de reais à campanha de reeleição do governador como, à moda de Elon Musk, são chamados a dar conselhos na administração. Salim Mattar, o principal acionista da locadora, um empresário que adora reclamar dos gastos sociais do Brasil, mas não larga o osso dos subsídios, foi consultor do governo até 2023.

O mineiro também repete vícios dos velhos coronéis da política brasileira. Um dos investimentos em infraestrutura recuperou o asfalto de uma estrada que deságua no próprio sítio na divisa com São Paulo. As obras de recapeamento de 107 quilômetros da MG–248 custaram aos contribuintes do estado 40 milhões de reais. Para Jairo Nogueira, presidente da Central Única dos Trabalhadores, Zema “se disfarça de gestor confiável e usa de muita demagogia para enganar a população”. Segundo o cientista político ­Malco Camargos, professor da PUC–MG e do Instituto VER, “a gestão Zema é um governo sem marca, sem uma grande obra de infraestrutura”. A oposição refez o ­slogan da administração: “Governo (In)Diferente, Estado (In)Eficiente”. •

Publicado na edição n° 1356 de CartaCapital, em 09 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O trem caipira’

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