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O relato sincero de um craque

Adriano Imperador rememora a infância pobre, o périplo por vários clubes, o impacto da morte do pai e o alcoolismo

O relato sincero de um craque
O relato sincero de um craque
Espelhos. Acima, o jogador comemora o gol pela Seleção durante a Copa das Confederações,em 2005. À direita, o atleta já aposentado – Imagem: Ramón Vasconcelos/TV Globo e Antonio Scorza/AFP
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Adriano Leite Ribeiro, conhecido, no futebol, como Adriano Imperador, nasceu em um dos locais mais violentos do Rio de Janeiro: a favela da Vila Cruzeiro, pertencente a um complexo de favelas que se estendem pelos bairros de Ramos, Penha e Olaria, na Zona Norte do Rio.

Na biografia Adriano, Meu Medo Maior, o jogador descreve o ambiente violento em que cresceu ao relatar o assassinato que presenciou quando pequeno: “Um homem desceu correndo no pinote. Eu olhei aquilo vidrado. Atrás dele veio outro homem com uma arma na mão (…) O primeiro homem tropeçou e caiu, encostado no muro da minha casa (…) O cara da arma se aproximou devagar, encarando o outro que estava caído e puxou o gatilho duas vezes. Na minha frente.”

O livro, escrito pelo jornalista Ulisses Neto, é rico em descrições como essa. Em primeira pessoa, Adriano discorre, de forma clara e sincera, sobre a infância pobre, o início da carreira na escolinha do Flamengo, a ida para a Itália, o sucesso profissional, a depressão após a morte do pai, as baladas, as mulheres e o alcoolismo.

Sua carreira no futebol tem início quando sua mãe – dona Rosilda – decide colocá-lo na escolinha do Flamengo, sem sequer saber onde exatamente ficava a sede do clube. Acompanhada pela avó de Adriano – dona Vanda – , ela saiu rumo à Gávea, Zona Sul do Rio, onde a família jamais ia. “Não fala nada para o seu pai. Se ele perguntar diz que a gente está na casa de Rosi (tia de Adriano)” . Ao chegar ao clube, descobriu que, para fazer a inscrição, tinha de ser sócia e que, para isso, era preciso pagar a mensalidade.

O pai de Adriano, seu Almir, o Mirim, ao ser informado do que ela havia feito, disse que a família não tinha dinheiro para isso. Mas dona Rosilda não desistiu e, no fim, conseguiu colocar o filho na escolinha. Aos 9 anos, Adriano entrou na base do Flamengo e logo conquistou vários títulos – inclusive no futsal. Era o início de uma trajetória que ganhou destaque internacional, superando todas as expectativas.

Mas é claro que, pelo caminho, houve obstáculos. Na época de juvenil, ele chegou a ser ameaçado de dispensa do clube. Mas, nesse momento, recebeu uma nova chance: deixou de ser lateral para jogar como centroavante. “Quando comecei a jogar de centroavante um mundo novo se abriu para mim”, diz ele, sobre o perío­do em que foi convocado para o Mundial Sub-17, na Nova Zelândia, jogou na final e a Seleção foi campeã.

Adriano: meu medo maior. Adriano Imperador e Ulisses Neto. Editora Planeta (504 págs., 99 reais) – Compre na Amazon

Sua estreia no time principal do Flamengo aconteceu em 2000, quando estava prestes a completar 18 anos. Na metade de 2001, foi negociado para a Inter de Milão, onde jogava Ronaldo Fenômeno. Num primeiro momento, como não foi titular no time repleto de jogadores famosos, a diretoria decidiu emprestá-lo para a ­Fiorentina, que enfrentava uma crise financeira e acabou rebaixada. Apesar desses problemas, Adriano foi o destaque do time.

Depois disso, ele foi para o Parma, onde jogavam Júnior e o goleiro Taffarel. Era o ambiente perfeito para mostrar seu futebol. Sua atuação despertou o interesse de alguns clubes, mas as negociações não evoluíram até que, em 2004, ele retornou para a Inter. Seu futebol foi fundamental para levar o time ao título da Champions League. Nesse período, ele ganhou da torcida o apelido de O Imperador – por ser homônimo de um dos generais que comandaram a Roma antiga.

Sucesso com a camisa 10 da Inter, começou a ser convocado para a Seleção Brasileira principal e, em 2006, disputou a Copa do Mundo. Adriano parecia viver um dos melhores momentos da carreira quando sofreu um grande abalo: seu pai, aos 44 anos, morreu de infarto.

“O dia que meu pai morreu foi esquisito. Estava na Itália, não quis fazer minha família me esperar cruzar o oceano para chegar no enterro. Quando a minha ficha caiu o velho já estava embaixo da terra. O cara me ensinou a ser homem. A ter respeito pelas pessoas. Tu nunca vai ver ninguém falando que eu fui estrela, destratei os outros ou que fui arrogante. Nunca”, diz. “Não carreguei o caixão do meu pai. Isso mexe comigo até hoje.”

A partir daí, seu futebol nunca mais foi o mesmo. Adriano perdeu a motivação, entrou em depressão e passou a ter uma rotina incompatível com a vida de atleta, frequentando baladas e bebendo em excesso.

Ao longo da primeira década dos anos 2000, passou por vários times, no Brasil e no exterior, ameaçou interromper a carreira e seguiu enfrentando dificuldades com a bebida e com o ganho de peso. Em 2016, decidiu encerrar de fato a carreira.

O título do livro é uma referência à canção Espelho, interpretada por João Nogueira (1941–2000), que tem a seguinte estrofe: Meu medo maior é o espelho se quebrar. Tema de uma série feita pela Paramount +

em 2022, Adriano ganha, com este livro tão intenso quanto sua trajetória, mais um merecido registro e mais uma oportunidade de se olhar no espelho. E se ver. •

Publicado na edição n° 1356 de CartaCapital, em 09 de abril de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O relato sincero de um craque’

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